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O caso de um crime contra a administração

Por Rogério Tadeu Romano*

Assim narrou Dora Kramer, em sua coluna para a Folha, em 24.9.24:

“Três deputados federais do PL estão denunciados ao Supremo Tribunal Federal pela Procuradoria-Geral da República por desvio de recursos das emendas parlamentares. Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil, ambos do Maranhão, e Bosco Costa, de Sergipe, são acusados de peculato e extorsão em São José de Ribamar (MA).

Segundo o relato da PGR, mandavam recursos para a prefeitura em troca da devolução de uma parte do dinheiro em forma de comissão paga por empresas ou pelo cofre municipal.

Em grau mais grave, pois atinge a população de uma cidade, a prática é semelhante à “rachadinha”, na qual parlamentares levam funcionários dos respectivos gabinetes a dividir com eles o salário pago pelo Legislativo.

A diferença entre os deputados denunciados e boa parte de seus pares é, ao que tudo indica, que foram pegos. Dada a distorção de procedimentos na farra das emendas, outras investigações do mesmo teor estão em andamento.”

Rachadinha é peculato, um crime contra a Administração Pública.

Data vênia a chamada “rachadinha” é crime.

Acentuou o ministro Roberto Barroso que “rachadinha é um eufemismo para desvio de dinheiro público para peculato”.

É meio de desvio público em benefício próprio.

O caso envolve o que chamam de “rachadinha”, algo espúrio, que se amolda ao crime de peculato, previsto no artigo 312 do CP. Os vencimentos dos servidores envolvidos, à disposição de um parlamentar, são altíssimos, e são objeto de remanejamento pelos políticos que os nomeiam.

Pratica o peculato o servidor que se apropria de dinheiro embora pretenda devolvê-lo por ocasião da prestação de contas.

Pressuposto do crime é o fato de que o agente tenha a posse legítima de coisa móvel (dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Não é a posse civil bastando a detenção.

Se o sujeito ativo não tiver a posse estamos diante de peculato-furto, previsto no artigo 312, § 1º, do Código Penal.

A posse da coisa, poder de disposição, deve resultar do cargo, sendo indispensável uma relação de causa e efeito entre o cargo e a posse.

A conduta deve recair sobre os objetos móveis enumerados pela lei penal. Se não for assim estar-se-ia perante uma conduta atípica.

São condutas típicas para efeito do crime de peculato: apropriação ou desvio, podendo o tipo configurar-se mediante o dolo específico, principalmente com relação ao peculato-desvio.

Apropriar-se significa assenhorear-se da coisa móvel, passando dela a dispor como se fosse sua.

Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão de que foi-lhe entregue ou confiada ao agente.

Fala-se ainda no crime de extorsão.

Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

  • 1º – Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.
  • 2º – Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
  • 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente. (Incluído pela Lei nº 11.923, de 2009)

Dita a Súmula 96 do STJ:

O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção davantagem indevida.

Referência:

CP, art. 158, caput.

Precedentes:

REsp 3.591-RJ (6ª T, 06.11.1990 — DJ 26.11.1990)

REsp 30.485-RJ (5ª T, 1º.03.1993 — DJ 22.03.1993)

REsp 32.057-SP (5ª T, 03.05.1993 — DJ 24.05.1993)

REsp 32.809-SP (5ªT, 12.05.1993 — DJ 07.06.1993)

RHC 3.201-ES (5ª T, 17.11.1993 — DJ 29.11.1993)

Terceira Seção, em 03.03.1994

DJ 10.03.1994, p. 4.021

O Código Penal de 1830 não previa a extorsão. O Código Penal de 1890, inspirado no Código de 1889, equiparava, para igual tratamento penal, a extorsão mediante sequestro, a extorsão propriamente dita e a pseudo-extorsão, que definia: “obrigar alguém, com violência

 ou ameaça de grave dano à sua pessoa ou bens, a assinar, escrever ou aniquilar, em prejuízo seu ou de outrem, um ato que importe efeito jurídico (artigo 362, § 2º).

Para Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado,8ª edição, pág. 737), a extorsão é uma variante patrimonial muito semelhante ao roubo, pois também implica numa subtração violenta ou com grave ameaça de bens alheios. Explica que a diferença se concentra no fato de a extorsão exigir a participação ativa da vítima fazendo alguma coisa, tolerando que se faça ou deixando de fazer algo em virtude da ameaça ou da violência sofrida. Assim enquanto no roubo o agente atua sem a participação da vítima, na extorsão o ofendido colabora ativamente com o autor da infração penal.

O objeto da tutela jurídica neste crime é o patrimônio, bem como a liberdade e a incolumidade pessoal.

É vítima aquele que é sujeito à violência ou ameaça, o que deixa de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, e, ainda, o que sofre o prejuízo jurídico.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7ª edição, pág. 306) a ação incriminada é, fundamentalmente, um constrangimento ilegal, que se pratica com o fim de se obter indevida vantagem econômica. Consiste em constranger alguém a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Diz ele que o processo executivo da extorsão deverá ser a violência ou grav316 do Código Penal. Se o agente constrange alguém com o emprego de violência ou mediante grave ameaça, para obter proveito indevido, não pratica unicamente o crime de concussão, indo mais além, praticando um crime de extorsão (RT 329/100, 435/296, 475/276, 714/375).e ameaça. Ora, são precisamente os meios de execução que distinguem este crime do estelionato, pois, neste último, a vantagem indevida se obtém mediante fraude, pois o agente induz o lesado em erro, levando-o, assim, a praticar a ação que pretende.

Ensinou Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume VII, pág. 69 e 70) que “uma das mais frequentes formas de extorsão é a praticada mediante ameaça de revelação de fatos escandalosos ou difamatórios, para coagir o ameaçado a comprar o silêncio do ameaçador.

É a chantagem, dos franceses, ou blackmail dos ingleses”.

Certamente o constrangimento deve ser praticado com o propósito de obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. A questão do momento consumativo deste crime, perante a lei brasileira, levou a Magalhães Noronha (Crimes contra o patrimônio, I, 224) entender ser necessário a consumação, assim como algumas decisões (RF 181/343), para que o agente obtenha efetiva vantagem patrimonial. Nelson Hungria (obra citada, volume VII, pág. 71) e Oscar Stevenson (Direito penal, 1948, 36) entenderam que ser o crime formal, consumando-se com o resultado do constrangimento, sendo, para isso, irrelevante que o agente venha ou não a conseguir a vantagem pretendida.

Para Heleno Cláudio, conseguido o proveito que pretendia. O crime se consuma com o resultado do constrangimento, com a ação ou omissão que a vítima é constrangida a fazer, omitir ou tolerar que se faça, sendo um crime de perigo. Sendo assim o Código Penal Brasileiro ficou longe do modelo adotado nos Códigos Penais da Suíça e da Itália e inspirou-se no antigo § 253 do CP alemão, que foi modificado por lei de 29 de maio de 1943. Para essa corrente, o momento consumativo independia da obtenção da vantagem pretendida.

Porém, a nova redação dada ao § 253 passou a exigir que surja a vantagem patrimonial, para que o crime se consuma, orientação que é a mesma na Itália. A tendência seria considerar a extorsão um crime material cuja consumação dependeria do efetivo dano ao patrimônio.

No Brasil, há jurisprudência no sentido de que é irrelevante que o agente obtenha a vantagem indevida, bastando para a configuração do crime a simples atividade ou omissão da vítima (RT 447/394, 462/393, 513/412, dentre outros). O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 96, como visto, onde se diz que: “crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção da vantagem indevida”.

Mesmo formal é possível se pensar na hipótese de tentativa, uma vez que o crime não se perfaz em ato único. Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da vítima (RT 338/103), quando esta não se intimida (RT 525/432) ou quando o agente não consegue que ela faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa (RT 481/363, 498/357, dentre outros).

O ato juridicamente nulo, que nenhum benefício de ordem econômica pode produzir, não configura o crime de extorsão. Haverá um crime impossível, sendo o agente punido por constrangimento ilegal. Bem alerta Fabbrini Mirabete (Manual de direito penal, volume II, 25ª edição, pág. 235) que pode-se figurar a hipótese de que o agente obtenha uma vantagem econômica pela prática de ato nulo (o pai resgata um documento em que há confissão da dívida de filho menor, que foi coagido a assiná-la, para honrar o nome da família).

A vantagem obtida no crime de extorsão há de ser indevida, pois se o agente tivesse direito haveria configuração de um crime de exercício arbitrário das próprias razões (RT 422/300, 467/391, 586/380). De toda sorte, deve a conduta visar a uma vantagem econômica injusta.

Distingue-se a extorsão do roubo. Para a extorsão deve haver para a vítima alguma possibilidade de opção, o que não ocorre quando dominada por agentes, é obrigada a entregar as coisas exigidas. No roubo, o mal é a violência física iminente e o propósito contemporâneo, enquanto na extorsão o mal é de ordem moral, futuro e incerto, como futura é a vantagem a que se visa (RT 454/430). Por sua vez, na extorsão, há a entrega da coisa, conquanto não a queira entregar. No estelionato, a vítima, de boa vontade, faz a entrega da coisa por estar iludida, sendo o seu consentimento viciado (RT 505/357). Já se entendeu que responde por extorsão, o agente que se intitula policial para, mediante ameaça, obter vantagem ilícita dos particulares (RT 586/309). É irrelevante se com a ameaça ou a violência concorrer ainda a fraude. Responde por extorsão que, fazendo-se fazer por fiscal, sob pretexto de irregularidades em estabelecimento mercantil, ameaça o comerciante de fechar-lhe a casa, obtendo, desse modo, ilícita vantagem patrimonial (Julgados TACSP, 25/1-71).

No crime de extorsão é admitida a continuidade quando se trata de crime contra diversas pessoas (RT 554/377). Já se entendeu que se a vantagem econômica é obtida de forma parcelada, ocorre uma única ação desdobrada em atos sucessivos, o que impede o reconhecimento da continuidade delitiva, sendo caso de crime único (RJTDACRiM 21/93-94).

O tipo subjetivo é o dolo, na vontade de constranger, mediante ameaça ou violência, ou seja, a vontade de coagir a vítima fazer, deixar de fazer, tolerar que se faça alguma coisa, dolo específico, a vontade de obter uma vantagem econômica ilícita, constituindo esta corolário da ameaça ou violência (RT 381/150).

Tudo isso é um escândalo.

Bem lembrou a Folha, em editorial, que “é salutar que PGR investigue emendas parlamentares.”

Tal entendimento é conclusivo sobre o tema, pois o Parquet precisa investigar, passo a passo, o uso dessas emendas.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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A inconstitucionalidade das chamadas “emendas pix”

Por Rogério Tadeu Romano*

Como informou o portal de notícias do Ministério Público Federal, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra as chamadas “emendas PIX”. Incluída na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 105/2019, a sistemática permite a destinação de recursos federais a estados, Distrito Federal e municípios por meio de emendas parlamentares impositivas ao projeto de lei orçamentária anual (PLOA), sob a forma de transferência especial, sem necessidade de celebração de convênio para controle da execução orçamentária. As emendas PIX também dispensam a indicação do programa, projeto ou atividade a serem fomentados com os valores alocados, além de suprimirem a competência do Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalização dos recursos federais.

Para Paulo Gonet, o sistema gera perda de transparência, de publicidade e de rastreabilidade dos recursos orçamentários federais, além de ofender vários princípios constitucionais, tais como o pacto federativo, a separação dos Poderes e os limites que a própria Constituição Federal estabeleceu para a reforma ou alteração do seu texto. Em pedido cautelar, o PGR requer a imediata suspensão dos dispositivos que permitem as emendas PIX (art. 166-A, I e §§ 2º, 3º e 5º, da CF), até que o STF julgue o mérito da ação. É correta a ação ajuizada pelo procurador-geral da República.

A falta de transparência, da necessária publicidade, ofende de forma direta aos ditames do artigo 37 da Constituição Federal.

Orçamento que não é transparente é orçamento espúrio. Agride-se ainda o artigo 165 da Constituição.

A transparência requer a ampla divulgação das contas públicas, a fim de assegurar o controle institucional e social do orçamento público. Por sua vez, a rastreabilidade compreende a identificação da origem e do destino dos recursos públicos. Sobre o ponto, aliás, destacou o Min. Roberto Barroso em voto proferido na ADPF nº. 854, que “em uma democracia e em uma república não existe alocação de recurso público sem a clara indicação de onde provém a proposta, de onde chega o dinheiro” (e-doc. 369 da ADPF nº. 854).

A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo. Especialmente exige-se que se publiquem atos que deixam surtir efeitos externos, fora dos órgãos da Administração.

Não se admitem na Administração ações sigilosas.

No ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 13ª edição, pág. 564), a publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda atuação estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como ainda de propiciação do conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade, como lembrou José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 565), atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os processos em andamento e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos de quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as prestações de contas submetidas aos órgãos componentes. Tudo isso é papel ou documento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interessado e dele obter certidão ou fotocópia autenticada para fins constitucionais.

De acordo com o texto constitucional, o orçamento configura instrumento de atuação transparente e responsável, que possibilita ao Poder Público executar as despesas e os investimentos de forma eficiente e planejada.

O Orçamento além de ser peça pública, deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas as pessoas e suas estimativas devem ser tão exatas quanto possível de forma a garantir a peça orçamentária um mínimo de consistência.

Mas o orçamento é uma peça que é formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas, que, materialmente, se traduz em ato político-administrativo. Tem-se a posição do Supremo Tribunal Federal já delineada:

“EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA – C.P. M.F. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE “DA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA C.P. M.F.” COMO PREVISTA NA LEI Nº 9.438/97. LEI ORÇAMENTÁRIA: ATO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO – E NÃO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: ART. 102I, A, DA C.F. 1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102Ia, da Constituição Federal, pois ali se exige que se trate de ato normativo. Precedentes (…)”. (ADI 1640 / DF, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 12/02/1998).

Como lei, o orçamento se submete ao controle abstrato de constitucionalidade ( ADI 4048 MC/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, 14 de maio de 2008).

Em especial, merecem atenção as chamadas “Emendas PIX”.

A Emenda Constitucional n. 105/2019 previu duas categorias de descentralização fiscal por meio de emendas orçamentárias individuais: a) a denominada “transferência especial” (vulgo”emenda PIX”), que possui maior celeridade e menor controle procedimental, conferindo ao ente receptor dos recursos a decisão sobre onde aplicá-los; e b) a “transferência com finalidade definida”, que se amolda à tradição de descentralização de recursos no Brasil, cuja despesa é decidida previamente e especificada no orçamento, exigindo maior rigidez procedimental e, consequentemente, um maior controle pelo ente que repassa os recursos.

As “Emendas PIX”, oficialmente conhecidas como “emendas individuais de transferência especial”, são um mecanismo que permite que deputados e senadores façam transferências de recursos federais para Estados e municípios. Criadas em 2019, as “emendas PIX” são uma forma simplificada de transferência de recursos, daí o apelido.

As “Emendas PIX” são um mecanismo que permite que deputados e senadores façam transferências de recursos federais para Estados e municípios de forma simplificada. Criadas em 2019, essas emendas se tornaram populares em ano de eleições, como foi o caso em 2023, quando parlamentares bateram recorde de “emendas PIX”. As “emendas PIX” são parte da Lei Orçamentária, que define o orçamento de cada ano, e são um mecanismo utilizado para mudar o orçamento. Deputados e senadores fazem uso dessas emendas para alocar e repassar recursos diretamente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, independentemente de convênios ou instrumentos congêneres (portal CONTABILIDADE PÚBLICA).

Fala-se que no procedimento das emendas pix, há desenhos institucionais que dificultam a fiscalização e incentivam o descumprimento de normas (Caio Gama Mascarenhas, in REGULAMENTAÇÃO LOCAL DAS TRANSFERÊNCIAS ESPECIAIS (EMENDAS PIX) E COMBATE À CORRUPÇÃO).

Ainda nos disse Caio Gama Mascarenhas (obra citada) que a emenda “PIX” (ou transferência especial) foi a espécie que representou a verdadeira inovação apresentada pelo texto do artigo 166-A do texto constitucional – introduzida pela Emenda Constitucional 105/2019. Essa modalidade de repasse é realizada diretamente ao ente federado beneficiado, independentemente da identificação da programação específica no orçamento federal e da celebração de convênio ou de instrumento congênere. Sua característica mais marcante é a previsão de que seus recursos passam a pertencer ao ente federado no ato da efetiva transferência financeira, mudando igualmente a competência para controle desses recursos (dos órgãos federais de controle para órgãos locais de controle). Esse tipo de repasse é regulamentado pela Portaria Interministerial ME/SEGOV nº 6.411/2021.

Para tanto, Caio Gama Mascarenhas aponta “gargalhos” na condução desse procedimento. Disse ele:

“No procedimento das emendas pix, há desenhos institucionais que dificultam a fiscalização e incentivam o descumprimento de normas. Ressalta-se que a descentralização fiscal não é um gargalo, mas um instrumento político de governança que mitiga o monopólio de poder estatal. Pode-se dizer que há quatro gargalos: (1) na origem, há a ausência de responsabilização dos entes receptores infratores no momento da definição dos beneficiários das emendas pix; (2) a falta de transparência na execução orçamentária; (3) a baixa governança orçamentária de grande parte dos entes receptores; e (4) a ausência de institucionalização da comunicação e cooperação entre Tribunal de Contas da União, de um lado, e Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal (TCE e TCDF) e dos municípios (TCM), do outro.”

É necessário, pois, a produção de um marco regulatório para coibir essas anormalidades, rastreando o caminho por onde passam esses recursos.

A adoção dessas “emendas PIX” permite um caminho aberto para a corrupção e improbidade.

*É procurador da República aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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A instauração de um estado de polícia

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Observo o que foi informado pelo portal do jornal O Globo, em 20.10.23:

“A Polícia Federal identificou que o sistema que monitora ilegalmente a localização de pessoas foi usado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) mais de 30 mil vezes. Desse montante, os investigadores detalharam 1.800 usos relacionados a políticos, jornalistas, advogados e adversários do governo Bolsonaro.

Nesta sexta-feira, a PF deflagrou uma operação que prendeu dois agentes e realiza 25 mandados de busca e apreensão. Como informou a coluna, um dos alvos de busca é Caio Santos Cruz, filho do general da reserva e ex-ministro de Bolsonaro Alberto Carlos Santos Cruz.

Para a PF, os agentes da Abin que operaram esse sistema se aproveitaram de vulnerabilidade criada pela empresa israelense Cognyte, desenvolvedora do FirstMile, na rede de telefonia para rastrear alvos irregularmente, ao invés de denunciá-la.

O sistema foi adquirido na época da intervenção federal da área de segurança do Rio de Janeiro, no governo Temer, sob o argumento de combater o crime organizado. O uso amplo da ferramenta, porém, aconteceu na gestão do delegado Alexandre Ramagem no comando da Abin, no governo Bolsonaro.

A investigação policial mostra que boa parte dos monitoramentos de pessoas aconteceu em Brasília e que aqueles realizados no Rio não tiveram relação direta com alvos do crime organizado.

Segundo a investigação, o uso do FirstMile só pode ser feito pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público com ordem judicial, conforme estabelece a Constituição.

O uso irregular da ferramenta, revelado pelo GLOBO em março, gerou questionamentos internos na Abin e levou à abertura de um procedimento interno para apurar o caso.”

Segundo a investigação, o sistema utilizado pela Abin é um software intrusivo. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”.

O FirstMile foi usado nos três primeiros anos do governo Jair Bolsonaro (PL) e determinava a localização aproximada de uma pessoa apenas digitando o número do celular. O sistema para vigiar cidadãos permitia rastrear até 10 mil pessoas por ano.

Há indícios de que o sistema era usado para monitorar jornalistas.

Dois servidores da Abin foram presos preventivamente. A investigação da PF aponta que eles tinham conhecimento do uso do sistema pela Abin e praticaram coação indireta para evitar a própria demissão, como afirmou o UOL.

Dois servidores da Abin foram presos preventivamente. A investigação da PF aponta que eles tinham conhecimento do uso do sistema pela Abin e praticaram coação indireta para evitar a própria demissão.

Segundo a investigação, o sistema utilizado pela Abin é um software intrusivo. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”.

Como informou o portal G1 Politica, em 20.10.23, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou no Supremo Tribunal Federal a favor da operação deflagrada nesta sexta-feira (20) para investigar suposto monitoramento ilegal de celulares por parte de servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

O parecer favorável da PGR é assinado pela vice-procuradora-geral da República Ana Borges, com o aval também da atual chefe interina do órgão, Elizeta Ramos. E é uma mudança de posição em relação à gestão anterior, chefiada por Augusto Aras.

Em março, a então vice-PGR Lindôra Araújo havia defendido que a investigação sobre a conduta dos servidores da Abin fosse arquivada.

II – UM ESTADO DE POLÍCIA

O objetivo do governo Bolsonaro era instaurar um estado policial no Brasil, uma antítese ao estado democrático, onde a informação era dado essencial para a convivência e destruição, se fosse o caso, do inimigo interno.

O Estado de Direito é o oposto do Estado de Polícia. É de sua essência, pois, a submissão da atuação do Estado ao direito, do que defluirá a liberdade individual, e o repúdio à instrumentalização da lei e da administração a um propósito autoritário.

Canotilho e Vital Moreira consignaram sobre o princípio: “Afastam-se ideias transpessoais do Estado como instituição ou ordem divina, para se considerar apenas a existência de uma res pública no interesse dos indivíduos. Ponto de partida e de referência é o indivíduo autodeterminado, igual, livre e isolado”.

O Estado de Direito está vinculado, nessa linha de pensar, a uma ordem estatal justa, que compreende o reconhecimento dos direitos individuais, garantia dos direitos adquiridos, independência dos juízes, responsabilidade do governo, prevalência da representação política e participação desta no Poder Legislativo.

Ainda ensinaram Canotilho e Vital Moreira: “O Estado de Direito reduziu-se a um sistema apolítico de defesa e distanciação perante o Estado”. Tornam-se as suas notas marcantes: a repulsa da ideia de o Estado realizar atividades materiais, acentuação da liberdade individual, na qual só a lei podia intervir e o enquadramento da Administração pelo princípio da legalidade.

Há diversos delitos em pauta: o de organização criminosa e outros aqui trazidos à colação.

III – O ARTIGO 154 – A DO CP

A Lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, publicada no DOU de 3 de dezembro do mesmo ano, tipificou um novo crime denominado Invasão de Dispositivo Informático, previsto no art. 154-A, do Código Penal, que entrou em vigor após 120 dias de sua publicação oficial, ou seja, em 3 de abril de 2013.

Eis o tipo penal:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

  • 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)
  • 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)
  • 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

  • 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)
  • 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

I – Presidente da República, governadores e prefeitos; (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) II – Presidente do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) III – Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

IV – dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência Ação penal (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação salvo se o crime e cometido contra a administracao pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionarias de serviços públicos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

É crime de ação múltipla que envolve os verbos invadir (entrar, tomar conhecimento ou acessar sem permissão) e instalar (baixar, copiar ou salvar sem permissão), tendo como objeto material os dados e informações armazenadas bem como o próprio dispositivo informático da vítima que sofre a invasão ou a instalação de vulnerabilidades. A doutrina entende que é indiferente o fato de o dispositivo estar ou não conectado à rede interna ou externa de computadores (intranet ou internet). Trata-se de tipo misto alternativo, onde o agente responde por crime único se, no mesmo contexto fático, praticar uma ou as duas condutas típicas (invadir e instalar).

Trata-se de crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa), plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente: “invadir”, “instalar”) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes – art. 13, § 2º, do CP), de forma vinculada (somente pode ser cometido pelos meios de execução descritos no tipo penal) ou de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio de execução), conforme o caso, formal (se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer), instantâneo (a consumação não se prolonga no tempo), monossubjetivo (pode ser praticado por um único agente), simples (atinge um único bem jurídico, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada da vítima).

A invasão de dispositivo informático é crime comum, assim, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, uma vez que o tipo penal não exige nenhuma qualidade especial do agente. Sujeito passivo é a pessoa que pode sofrer dano material ou moral em consequência da indevida obtenção, adulteração ou destruição de dados e informações em razão da invasão de dispositivo informático, ou decorrente da instalação no mesmo de vulnerabilidades para obter vantagem ilícita, seja seu titular ou até mesmo um terceiro.

Invadir é violação indevida do mecanismo de segurança. A instalação pode ser feita para o delito por qualquer meio de execução existente. A invasão se dá em dispositivo alheio e sem autorização de seu possuidor.

O elemento subjetivo é o dolo específico, na vontade consciente de invadir dispositivo alheio.

Consuma-se, portanto, o delito no momento em que o agente invade o dispositivo informático da vítima, mediante violação indevida de mecanismo de segurança, ou instala no mesmo vulnerabilidades, tornando-o facilmente sujeito a violações.

Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.

Há possibilidade de tentativa.

Tem-se causas de aumento de pena:

  • 2º Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)
  • 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)
  • 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidos. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)

Prejuízo econômico, tal como exposto no parágrafo segundo do artigo 154 – A do CP, é conceito indeterminado, onde avulta perda de valores em dinheiro.

No caso específico citado poderão ser aplicados o parágrafo terceiro (qualificadora) e quarto (causa de aumento de pena):

“Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)”.

“Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012)”.

A lei de acesso à informação – Lei 12.527/2011 – prevê o direito de acesso a informações sigilosas e pessoais, desde que sejam observados e respeitados alguns critérios, em razão da classificação de cada informação a ser prestada.

Foi estabelecida classificação quanto a solicitação de informações sigilosas em relação ao grau de sigilo que deverá ser observado o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado bem como o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final.

Os prazos máximos quanto a classificação e restrição às informações em poder dos órgãos e entidades públicas e a respectiva competência são:

  1. a) Para informações ultrassecretas: Prazo – 25 (vinte e cinco) anos – Competência -Presidente da República, Vice-Presidente da República, Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas, Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, e Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;

O crime, considerada a pena máxima de dois anos, é crime de menor potencial ofensivo e deve ser objeto de instrução nos Juizados Especiais Criminais. No caso do caput cabe o sursis processual na forma da Lei 9.099/95.

Há várias causas de aumento da pena que são traçadas no parágrafo quinto, nos incisos I a IV, conforme seja a autoridade envolvida.

É crime de ação penal pública condicionada à representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionarias de serviços públicos. (Incluido pela Lei nº 12.737, de 2012). Os conceitos de administração direta e indireta(autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista) são próprias do direito administrativo.

IV – O ARTIGO 10 DA LEI 9.296/96

Fala-se em comunicações telefônicas.

Comunicações telefônicas são quaisquer comunicações feitas através de telefone. Comunicações de informática ou de telemática são comunicações que combinam telecomunicação e dispositivos de informática (p. ex., e-mail).

Chrístiano Falk Fragoso (Os crimes de comunicação indevida de comunicação telefônica, informática ou telemática e de quebra de segredo de justiça) nos ensinou:

“Boa parte da doutrina sustentava, com razão, que o art. 56, L. 4.117/ 1962 já criminalizava a interceptação de conversações telefônicas, certamente se baseando no fato de que uma das modalidades típicas é a de “captar” o “conteúdo( … ) de qualquer telecomunicação dirigida a terceiro”. Mas, antes da edição da Lei 9.296/1996, havia decisões judiciais que, ignorando esse dispositivo, apreciavam a questão somente à luz do art. 151, § 1.º, II, do Código Penal. Em um caso em que o acusado simplesmente instalou, na caixa de telefonia do prédio, um aparelho para gravar conversas telefônicas (sendo preso em flagrante, cerca de um mês depois, no momento em que ia trocar a fita de gravação), o TACrim-SP, em 1988, entendeu de absolver o réu, sob o argumento de que “o crime de violação de comunicação telefônica não se aperfeiçoa se a conversa não for indevidamente divulgada, transmitida a outrem ou utilizada abusivamente”; não se cogitou de apreciar se havia crime tentado. Em outro caso, também julgado em 1988 pelo TACrim-SP, ignora-se o art. 56, L. 4.117 /1962 e decide-se que ” a interceptação telefonica, para a caracterização do crime do art. 151, º 1. º,II, do CP (violação de comunicação telefônica), pressupõe que de algum modo tenha havido difusão, para terceiro, da matéria conhecida clandestinamente (gravada), eis que o simples ato de interceptar conversação telefônica, por si mesmo, não caracteriza crime algum perante o Código Penal”

A Constituição Federal de 1988 veio permitir a violação de sigilo de comunicações telefônicas (e, para a maioria da doutrina e da jurisprudência, também de dados), em dispositivo inédito, com o seguinte teor: “Art. 5º (. . .) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Com a dicção da nova Constituição, passou-se a discutir se, para a determinação judicial de interceptações telefônicas, seria, ou não, necessária a edição de nova lei para regulamentar o dispositivo constitucional, prevalecendo o entendimento no sentido afirmativo. Durante os anos subsequentes, os tribunais concederam sistematicamente, salvo exceções, ordens de habeas corpus para anular a prova colhida por interceptações telefônicas determinadas por juízes. Neste contexto, surge, em 1996, a Lei 9.296, que regulamenta o uso da telefônica como prova para investigação criminal e instrução processual penal e criminaliza, no art. 10, a conduta de “realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo de justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.”

Estamos diante de uma norma constitucional de eficácia contida.

A interceptação telefônica somente poderá ser efetuada no Brasil mediante expressa autorização judicial, sempre a pedido, seja da autoridade policial ou do Ministério Público. Fora disso há crime.

A Lei 9.296/96 descreve as hipóteses e as formalidades necessárias para a concessão judicial da quebra de sigilo. O pedido de intercepção deve tramitar em segredo de justiça e não é admitido se não houver indícios mínimos de autoria, se a prova puder ser feita por outros meios ou se o fato investigado for punível com detenção (crimes mais leves).

Em seu artigo 10, a lei prevê expressamente que a conduta de quebrar sigilo ou interceptar comunicações telefônicas, informáticas ou telemáticas, ou quebrar segredo da justiça, sem autorização judicial, é crime.

As penas previstas são de 2 a 4 anos e multa.

A ação penal é pública incondicionada. Porém há possibilidade de oferta pelo Ministério Pública de acordo de não persecução penal se for o caso.

Tem-se, outrossim, o artigo 10 – A daquele diploma legal:

Art. 10-A. Realizar captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, quando esta for exigida: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

  • 1º Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
  • 2º A pena será aplicada em dobro ao funcionário público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Ainda nos disse Christiano Falk Fragoso, naquela obra.

“No que toca à primeira modalidade (“realizar interceptação sem autorização judicial”), o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. É, portanto, un1 crime comum. Quanto à segunda modalidade (“realizar interceptação com objetivos não autorizados em lei”), também estamos diante de um crime comum. No caso, a interceptação é realizada com autorização judicial (mas visa objetivos não autorizados em lei), o que não significa que somente o juiz ou o executor material da interceptação possa ser sujeito ativo. É possível vislumbrar a hipótese em que alguém é o sujeito ativo do crime (autor mediato) por ter induzido o juiz em erro (p.ex., o membro do Ministério Público, a autoridade policial ou a vítima do crime. Em ambas as modalidades, os sujeitos passivos são as pessoas cujas conversas foram indevidamente interceptadas. O fato de alguém ser titular de uma linha telefônica , ou de um terminal informático, não o torna vítima do delito, devendo haver captação indevida de manifestações feitas por essa pessoa.”

…..

Interceptar comunicação consiste em captar, sem conhecimento dos comunicadores, o teor de comunicação alheia no momento em que é feita, dele tomando conhecimento indevido. Como bem diz Cabette, a ingerência em comunicações alheias é ínsita ao conceito de interceptação. É importante notar que captar, aqui, não tem o sentido de gravar (ou, de outro modo, registrar, por algum meio, o conteúdo de uma comunicação), mas, sim, o de tomar conhecimento. Gomes/Maciel dizem textualmente que interceptar uma comunicação telefônica, em sentido idiomático, seria “interrompê-la, detê-la ou cortá-la”, mas que “na lei a expressão tem outro sentido, qual seja o de captar a comunicação telefônica, tomar conhecimento, ter contato com o conteúdo dessa comunicação enquanto ela está acontecendo. (. . .) Interceptar comunicação telefônica, assim, é ter conhecimento de unia comunicação alheia”. Interceptar, portanto, não é meramente gravar a comunicação alheia, mas sim, nela se imiscuindo no momento em que ocorre, tomar conhecimento indevido de seu teor. Aliás, o crime sequer exige que a conversa seja gravada; a gravação é, tão somente, prova de corpo de delito do crime (provavelmente, a melhor prova), mas não é o crime em si. Assim, pode eventualmente haver crime se alguém, indevida, intencionalmente e por tempo relevante, fica a ouvir conversa alheia na extensão telefônica, mesmo que não grave essa conversa.

O crime se consuma quando alguém, alheio aos comunicadores, toma conhecimento do teor da comunicação, o que pode ocorrer no mesmo momento da gravação ou registro, ou em momento posterior. Portanto, se o agente usa dispositivo para gravar a comunicação privada, que, todavia, está criptografada, não lhe sendo possível tomar conhecimento do conteúdo da comunicação (i.e., captá-lo), não se consuma o crime; somente se pode perquirir quanto a possível punição por crime tentado, se não for hipótese de crime impossível (art. 1 7, CP) .”

Vicente Greco Filho entende possível a tentativa se o agente é interrompido no ato de implantar o instrumento para interceptação.

Para que haja o crime não é necessário que o receptor da mensagem seja impedido de tomar conhecimento do teor da mensagem emitida. Ou seja, não é necessário que a interceptação interrompa o curso da mensagem, embora isto também possa ocorrer, aderindo maior dano ao crime.

Na primeira modalidade, só há crime se a interceptação é feita “sem autorização judicial”. Se ela existe, não há tipicidade. A autorização judicial deve existir ao tempo do início da execução de procedimentos técnicos para a gravação, o registro ou a captação direta, não podendo ser suprida posteriormente pelo juiz, mesmo que antes de se tomar conhecimento do teor das comunicações privadas.

Na segunda modalidade, o crime se configura se a interceptação é realizada “com objetivos não autorizados em lei”. Como se sabe, a intercepção de comunicações telefônica, em sistemas de informática ou de telemática só podem ser feitas “para fins de i1westígaçào criminal ou instrução processual penal” (art. 5º , XII, CF), o que é praticamente repetido pelo art. 1.º da Lei nº 9 .296/l 996:”para prova em criminal ou em instrução processual penal”.

O elemento subjetivo é o dolo.

Há ainda o crime de quebra de segredo de justiça (art. 10 in fine) que se se refere à indevida revelação da existência de procedimento cautelar de interceptação de comunicações (antes ou durante a diligência de obtenção da prova) ou à indevida revelação do ·conteúdo das comunicações sigilosas (durante ou após tal diligência).

Trata-se de crime próprio.

O crime se consuma no momento em que o agente revela a um terceiro qualquer, que não vinculado ao dever de manter o segredo de Justiça, a existência do procedimento cautelar de interceptação de comunicações (isto, antes ou durante as interceptações ou o teor das próprias comunicações (isto, durante ou após as interceptações). A tentativa é possível, na forma escrita.

O elemento subjetivo é o dolo.

A competência para instruir e julgar o feito é da justiça onde o feito tramita.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Uma afronta ao artigo 42 do código de processo penal

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO

Observo o que foi noticiado pelo site do jornal O Globo, em 4.4.2022:

“A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu nesta terça-feira que o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite uma denúncia apresentada por ela mesma contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

Na denúncia apresentada em 2012 ao Supremo, a PGR afirmava que o assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim, servidor público da Câmara dos Deputados, foi apreendido com R$ 106 mil em espécie quando tentava embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com destino a Brasília utilizando passagens custeadas pelo deputado federal. Ao ser detido, ele afirmou que a quantia pertencia a Lira.

Segundo a acusação feita inicialmente, os valores apreendidos deveriam ser entregues a Lira, na época líder do Partido Progressista (PP), em troca de apoio político para manter Francisco Carlos Cabalero Colombo no cargo de presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

Em julgamento em 2019, a Primeira Turma do STF chegou a acolher em parte a acusação da PGR e decidiu transformar o deputado em réu por corrupção passiva. Agora, em parecer apresentado após novo recurso da defesa de Lira, o órgão afirma que não há elementos que justifiquem a acusação contra o parlamentar.

Para a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, a denúncia foi embasada apenas em delação premiada e não há no processo provas que reforcem a acusação.”

II – PRINCÍPIOS DA INDISPONIBILIDADE E OBRIGATORIEDADE DO PARQUET. AS HIPÓTESES DE ARQUIVAMENTO

Ora, diverso da ação civil, na ação penal pública não cabe falar em desistência.

Pertencendo a ação penal ao Estado (salvo exceções), segue-se que aquele a quem se atribui o seu exercício, o Ministério Público, não pode dela dispor. Os órgãos do Ministério Público não agem senão em nome da sociedade que eles presentam. Eles têm o exercício, mas não a disposição da ação penal, esta não lhes pertence.

Ensinou Fernando da Costa Tourinho Filho (Processo Penal, primeiro volume, 1982, 6ª edição, pág. 284) que “e, por não lhes pertencer, não podem os órgãos do Ministério Público dela desistir, transigindo ou acordando, pouco importando seja ela incondicionada ou condicionada.

Observo o artigo 42 do CPP:

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

Como bem acentuou Guilherme de Souza Nucci ( Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, pág. 168) consagra-se o princípio da indisponibilidade da ação penal corolário do princípio.

Esse dispositivo constante do artigo 42 do CPP é salutar e não supérfluo, porque torna nítido que o oferecimento da denúncia transfere, completamente, ao Poder Judiciário a decisão sobre a causa. Até que haja o início da ação penal poderá o promotor oferecer o arquivamento. Após, não, a teor do artigo 28 do CPP.

Oferecida a denúncia já não cabe mais a desistência.

Consagra-se o princípio da indisponibilidade da ação penal.

Trata-se de um princípio informador da ação penal pública.

Na lição de Paulo Rangel (Direito processual penal, vigésima edição, p. 238):

A ação penal pública, uma vez proposta (obrigatoriedade) em face de todos os autores do fato ilícito (indivisibilidade), não permite ao Ministério Público desistir do processo que apura o caso penal, pois seu mister é perseguir em juízo aquilo que é devido à sociedade pelo infrator da norma, garantindo-lhe todos os direitos previsto na Constituição da República para, se for provada sua culpa, privar-lhe da sua liberdade; porém o direito de punir pertence ao Estado-juiz. Portanto, não pode dispor, o Ministério Público, daquilo que não lhe pertence.

Disse ainda Fernando Tourinho:

“Costuma-se dizer, às vezes, que o Promotor “abandonou a acusação”. Tal afirmativa, no sentido de que o Promotor desistiu da ação penal, sabe a disparate. Significa, como bem lembra Donnedieu de Vabres, que o órgão do Ministério Público se pronunciou favoravelmente ao imputado, o que é diferente”.

Por outro lado, dispondo o Ministério Público dos elementos mínimos para a propositura da ação penal, deve promovê-la (sem se inspirar em critérios políticos ou de utilidade social).

Seria possível, após o encerramento da instrução, uma proposta de absolvição por parte do Parquet ao juízo criminal. Mas isso se diferencia totalmente do caso em exame onde foi pedido o arquivamento após o oferecimento da denúncia formulada pelo órgão da acusação.

Assim caso o membro do Ministério Público esteja convencido, após a instrução probatória, da inocência do réu, deve manifestar-se, como guardião da sociedade e fiscal da justiça aplicação da lei, em sede de alegações finais, pela absolvição do imputado, o que não significa disponibilidade do processo.

No entanto, há decisão no sentido que abaixo apresento:

“No caso em questão, como ainda não havia sido iniciada a ação penal, já que ainda não recebida a denúncia pelo Juiz, nada impedia o órgão acusador de excluir da denúncia, depois de melhor exame, quem era objeto de suspeita inicial, não havendo, assim, que se falar em violação aos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade. Precedente da Suprema Corte.

  1. Ordem denegada.”. ( HC 47.536⁄BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19⁄10⁄2006, DJ 20⁄11⁄2006, p. 345).

-“O órgão acusador pode excluir da denúncia, depois de melhor exame, quem era objeto de suspeita inicial; pode aditá-la para ampliar os limites da imputação e o rol de acusados, ocasião em que poderá ocorrer alteração da competência, sem que restem feridos os princípios da legalidade, obrigatoriedade, indisponibilidade (…)”(STF, HC 71899-0/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU 25.05.1995).

Ora, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento após a Constituição de 1988, pronunciou-se quanto ao tema em discussão, demonstrando que o julgador não está vinculado ao pedido do Parquet de absolvição. É o que se lê do que foi decidido no HC 69.957 – 0, Relator Ministro Néri da Silveira, publicado no Diário de Justiça de 25 de março de 1994.

Não se pode confundir a faculdade do Parquet de ter o juízo exclusivo de acusar diante das peças da investigação criminal, podendo ou não denunciar, com aquela cognição em que se dá a ele o papel de se requerer a absolvição. O Parquet não é o único juízo diante das provas apontadas no processo. Não se está afrontando nosso sistema acusatório, que não é puro. O que se está é salvaguardando o princípio da obrigatoriedade, se as provas conduzem à condenação. Respeita-se o princípio da verdade real.

Em síntese, pode o Parquet ao receber o procedimento investigatório: a) requerer novas diligências, denunciar ou pedir o arquivamento, se entende que não há subsídios para a acusação criminal. Ajuizada a ação penal não poderá desistir.

Dir-se-á que na medida em que o órgão da acusação desistindo da ação penal, afronta o artigo 42 do CPP, uma vez que a ação penal se esgotou na provocação da jurisdição. Agora, o que haverá é processo.

De forma conclusiva, ensinou Guilherme de Souza Nucci ( Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, pág. 168):

“Rege a ação penal pública a obrigatoriedade de sua propositura, não ficando ao critério discricionário do Ministério Público a elaboração da denúncia. Justamente por isso, oferecida a denúncia já não cabe mais a desistência. Consagra-se o princípio da indisponibilidade da ação penal, corolário do primeiro. O dispositivo em comento deixando clara a impossibilidade de desistência, é salutar e não supérfluo, porque torna nítido que o oferecimento da denúncia torna nítido que o oferecimento da denúncia transfere completamente, ao Poder Judiciário a decisão sobre a causa. Até que haja o início da ação penal, pode o promotor pedir o arquivamento, restando ao juiz utilizar o dispositivo no art. 28 do Código de Processo Penal. E se a instância superior do Ministério Público insistir no pedido de arquivamento, outra alternativa não resta ao Judiciário senão acatar. Entretanto, oferecida a denúncia, iniciada a ação penal, não mais se pode subtrair da apreciação do juiz o caso. Haverá necessariamente um julgamento e a instrução será conduzida pelo impulso oficial.”

III – CONCLUSÕES

A manifestação de arquivamento pela procuradora geral da República aqui noticiada de pedir o arquivamento de ação ajuizada pelo próprio Parquet é um absurdo jurídico.

Denota, antes de tudo, a possibilidade de perda de credibilidade da própria instituição, nessa quadra.

O Ministério Público Federal não age em razão de conveniências, mas da necessária obrigatoriedade ditada pela lei.

Aguardemos, pois, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal na matéria.

*É procurador da república aposentado com atuação no RN.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.

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Reportagem

Parecer de Aras não coloca em risco mandatos de Girão e Gonçalves

O parecer do procurador-geral da República Augusto Aras acatando parcialmente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) movida pelos partidos Rede Sustentabilidade, PSB e Podemos (são três ações separadas, mas com o mesmo sentido) gerou uma confusão no noticiário potiguar dando a entender que o chefe do parquet reforça uma tese que pode mudar a composição da bancada potiguar na Câmara dos Deputados.

Primeiro é preciso entender que ação dos partidos pede a eliminação da regra 80/20 que só permite a concorrência das sobras dos partidos que não atingiram o quociente eleitoral de siglas que tenham atingindo 80% do quociente eleitoral e tenham candidatos cuja votação tenha sido equivalente a 20% do quociente eleitoral.

O quociente eleitoral é a divisão entre o total de votos válidos e o número de cadeiras em disputa. Se tem 100 mil votos válidos numa eleição e um partido somou 25 mil votos na sua chapa ele tem direito a duas das oito vagas em disputa. Desde a reforma eleitoral de 2017 foi decidido que partidos que não atingiram o QE poderiam disputar as vagas das sobras. Mas o que são as sobras: as sobras correspondem as vagas que ficam em aberto quando os partidos não alcançam o número de vagas suficientes por meio do QE. Antes só partidos que atingiam o QE disputavam as sobras, mas com a nova regra foi ampliado o alcance aos que não atingiram o QE. Mas em 2021 houve uma nova mudança delimitando aos que tenham 80% do QE e para candidatos que atingiram 20%.

Se os questionamentos da Rede, Podemos e PSB forem acatados integralmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) cai a regra 80-20 e todos os partidos passam a disputar as sobras. Nesse caso, os deputados federais General Girão e Sargento Gonçalves, ambos do PL, perderiam as vagas porque voltariam a ser uma regra semelhante a que vigorou até 2020. Neste caso o ex-governador Garibaldi Alves Filho (MDB) e o ex-deputado estadual Kelps Lima (SD) seriam considerados eleitos após uma retotalização dos votos.

Mas o que diferencia o parecer de Aras em relação as ações movidas pelos partidos? O PGR acatou a ação parcialmente propondo apenas alteração da regra das sobras das sobras, sem acabar com a regra 80/20.

É preciso entender que são três rodadas de distribuição de cadeiras numa eleição proporcional. Na primeira só entram os que atingiram o QE; na segunda concorrem os partidos que atingiram o QE e a regra 80/20; na terceira, caso ainda exista vagas e nenhum candidato tenha atingindo 20% do QE se faz uma nova rodada só com os partidos que atingiram 80% do QE. Aras propõe que caso aconteça a terceira rodada todos os partidos concorram independente de terem ou não cumprindo a regra 80/20 seguindo a média de votações das siglas.

O RN só sofreria algum efeito se estivesse exercendo o direito a nove vagas de deputado federal que a constituição lhe assegura, mas não é cumprido. Seguimos com oito deputados.

No RN todas as oito vagas foram preenchidas sem precisar acionar a terceira rodada. Se prevalecer a tese de Aras Girão e Gonçalves permanecem deputados.

Como 76.698 votos Girão atingiu 32,8% dos votos válidos e Gonçalves com 56.315 sufrágios chegou a 24% do QE, ficando com a última vaga.

Assim apenas sete cadeiras das 513 mudam no Congresso Nacional. Perderiam as vagas, caso a tese de Aras prevaleça, os seguintes deputados: Sílvia Waiãpi e Sonize Barbosa (ambas do PL), Professora Goreth (PDT) e Dr. Pupio (MDB) no Amapá, além de Lazaro Botelho (PP-TO), Lebrão (União Brasil-RO) e Gilvan Máximo (Republicanos-DF).

PS: esta reportagem foi construída consultando juristas especializados em direito eleitoral.

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Natália aciona PGR para investigar Flávio Bolsonaro por intervir na Receita Federal

A deputada federal Natália Bonavides (PT/RN) protocolou representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o órgão investigue o senador Flávio Bolsonaro (Podemos) por usar a Receita Federal no caso das  “rachadinhas”, nos tempos em que atuou como deputado estadual do Rio de Janeiro.

Natália se baseou em documentos publicados pela reportagem da Folha de São Paulo, divulgada hoje (22), que trouxe informações inéditas de que o senador e seus advogados intervieram em órgãos do Governo Federal.

“A interferência de Flávio Bolsonaro na Receita foi criminosa e precisa ser investigada urgentemente. Protocolamos  uma nova representação, juntando às outras que já fizemos, para que enfim ele seja responsabilizado pelos crimes que cometeu”, pontuou Bonavides.

A deputada já havia protocolado Notícia de Fato em 2021 solicitando investigação para saber se a família Bolsonaro mobilizou órgãos do governo para tentar anular as investigações contra o senador Flávio Bolsonaro nesse caso. A PGR abriu a investigação preliminar à época contra o senador, o presidente da República Jair Bolsonaro (Partido Liberal), o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o diretor da ABIN, Alexandre Ramagem.

Na representação protocolada hoje, a parlamentar destaca que a interferência do filho de Bolsonaro na Receita Federal configura delito de Advocacia Administrativa, previsto no Código Penal, e improbidade administrativa, previsto no código civil.

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Consequências de mais um pedido de arquivamento por parte do PGR

Por Rogério Tadeu Romano*

I – OS FATOS

Apesar de a PF ter apontado crimes no caso, quem tem a atribuição de apresentar uma denúncia contra os acusados ou pedir arquivamento é a Procuradoria-Geral da República (PGR). Como é o titular da ação penal perante o Supremo Tribunal Federal, Aras tem a palavra final sobre a responsabilização de Bolsonaro neste caso. Caberá agora ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes despachar o pedido de arquivamento. A praxe no STF é que, no caso de arquivamento, o ministro siga o parecer da PGR.

A respeito do vazamento, o ex-presidente da corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, declarou que “informações sensíveis, que facilitam a atuação criminosa [contra a Justiça Eleitoral], foram divulgadas em rede mundial”.

A PF, em seu relatório naquele inquérito aberto para investigar o fato, apontou a prática de crime de violação de sigilo.

Sobre o fato noticiou o site de notícias do jornal O Globo:

“Aras, entretanto, apresentou uma argumentação diferente da PF. O procurador-geral escreveu que o inquérito divulgado por Bolsonaro não era sigiloso, porque não constava no processo nenhuma decisão do juiz do caso decretando o sigilo. Por isso, na opinião da PGR, a conduta atribuída a Bolsonaro é atípica, ou seja, não configura crime.

Para a PGR, entretanto, esse sigilo só estaria efetivamente caracterizado se o juiz do caso tivesse proferido um despacho determinando o sigilo. “Nesse cenário, a simples aposição de carimbos ou adesivos nos quais se faz referência a suposto sigilo da investigação não é suficiente para caracterizar a tramitação reservada. O registro de sigilo no protocolo de cadastramento (‘Segredo de Justiça? Sim’) do inquérito policial no PJe, por ocasião de sua remessa à Justiça Federal, da mesma forma, é inapto, por si só, para caracterizar o regime de segredo”, escreveu Aras.

A PGR citou ainda a existência de uma instrução normativa interna da PF que diz que o delegado “requererá ao juízo a decretação de segredo de Justiça” no caso de investigações sigilosas. “O parágrafo único do dispositivo demonstra ser a tramitação em regime de sigilo externo do inquérito policial hipótese excepcional, condicionada à autorização de requerimento nesse sentido pelo juiz natural e à demonstração fundamentada da necessidade do segredo a partir das situações descritas”, escreveu a PGR.

Por entender que não se tratava de um documento sigiloso, Aras afirma que, sem que houvesse a “limitação de publicidade” do inquérito, “não há como atribuir aos investigados nem a prática do crime de divulgação de segredo nem o de violação de sigilo funcional”.”

II – O ARTIGO 153 DO CP

Tem-se do artigo 153 do Código Penal:

Art. 153 – Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa, de trezentos mil réis a dois contos de réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)

Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.

(Revogado)

  • 1º Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 9.983, de 2000)
  • 1 o -A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

  • 2 o Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Especificamente interessa para o caso o parágrafo primeiro daquele artigo.

O objeto jurídico deste crime é a liberdade individual, especialmente a proteção dos segredos cuja divulgação possa causar dano à outrem.

O sujeito ativo do crime é o destinatário ou o descobridor do segredo.

Não se protege o segredo recebido oralmente, mas apenas o contido em documento ou correspondência confidencial. O núcleo do crime é divulgar, que significa o ato de propagar, difundir. Para muitos o crime exigiria que se conte o segredo a mais de uma pessoa. Para Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, 6ª edição, pág. 332), basta que se narre a um só, porquanto o que se tem em vista é o comportamento divulgar e não o resultado divulgação. Todavia, o elemento normativo sem justa causa torna atípico o comportamento quando a causa é justa (defesa de um interesse legítimo). O que é segredo? É o fato que deve ficar restrito ao conhecimento de uma ou de poucas pessoas; sendo que a necessidade desse sigilo deve ser expressa ou implícita.

O núcleo do tipo penal envolve divulgar e dar conhecimento de algo a alguém ou tornar algo público. O objetivo deste tipo penal é resguardar as informações sigilosas ou reservadas contidas em sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública. A informação, como revelou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 699), deve estar guardada em sistema que contenha base material, isto é, não se configura o ilícito se a informação sigilosa ou reservada for unicamente verbal.

O que é banco de dados? É a compilação organizada e inter-relacionada de informes guardados em um meio físico, com o objetivo de servir de fonte de consulta para finalidades variadas, evitando-se a perda de informações.

Repita-se que o objeto material e jurídico do ilícito é a informação sigilosa ou reservada.

Ora, apesar da argumentação apresentada pelo chefe da Instituição ministerial havia, nos autos do procedimento inquisitorial, a informação de que havia sigilo.

Como bem disse César Dario Mariano da Silva(Afinal, do que se trata o crime de violação de sigilo funcional imputado a Bolsonaro?, in Estadão, em 4 de fevereiro de 2022)

‘Duas são as condutas típicas:

revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo;

facilitar-lhe a revelação.

O objeto material é o segredo. Este é o fato que não pode ser revelado e que deva ser mantido em sigilo, embora de conhecimento de um número limitado de pessoas. A classificação do fato como sigiloso ou a decretação do sigilo em processo ou procedimento deve preceder à sua revelação. Assim, se por ocasião da revelação o fato não era sigiloso e só posteriormente o foi decretado como tal, não advirá infração penal.”

Disse então Cesar Dário Mariano da Silva:

“No que concerne especificamente ao presidente da República, algumas indagações devem ser feitas para se chegar à conclusão acerca de sua responsabilidade pelo ilícito:

1) os fatos revelados se encontravam sob sigilo formalmente decretado?

2) o sigilo precedia à revelação dos fatos?

3) os fatos eram relevantes e poderiam causar dano para a administração pública, no caso para as investigações?

4) em caso positivo, o presidente tinha conhecimento de que os fatos revelados eram sigilosos?

5) o presidente tinha o dever legal de guardar o sigilo?

“O referido inquérito policial Federal não restava abarcado por decisão judicial de sigilo, bem como não havia medida cautelar sigilosa em andamento, portanto, apresentava o sigilo relativo próprio dos procedimentos de investigação criminais” – Daniel Carvalho, delegado da PF.

Em 4 de agosto de 2020, Bolsonaro divulgou na internet o conteúdo do inquérito sigiloso 1361/2018-4/SRDF, que tratava de uma tentativa de um ataque cibernético contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A ação não afetou as eleições, mas o presidente utilizou a investigação como argumento para dizer que as urnas eram fraudáveis.

Para o PGR os fatos revelados não se encontravam sob sigilo formalmente decretado que deveria ter partido da autoridade judicial.

Para tanto seria necessário um ato formal para a decretação do sigilo e não um carimbo da Polícia Federal no sentido do respeito ao sigilo.

É indispensável, contudo, uma relação causal entre o conhecimento do sigilo e a especial qualidade do sujeito ativo (em razão da função de policial), isto é, um nexo causal entre o exercício de cargo ou função pública e o conhecimento do sigilo, que é exatamente o aspecto revelador da infidelidade funcional do sujeito ativo, que a norma penal pretende proteger.

Mas tenha-se que Cezar Roberto Bitencourt(Violação de sigilo nas investigações) ensinou ao estudar o tipo objetivo do ilícito penal:

“Como o texto legal fala somente em “descumprir determinação de sigilo das investigações”, sem declinar sua origem, se legal ou judicial, quer nos parecer que tal origem seja irrelevante, isto é, qual quer delas tem dignidade para receber a proteção penal. Por outro lado, a conduta incriminada limita-se à fase investigatória, isto é, à fase pré-processual. Assim, conduta similar praticada durante a fase processual não se adequa à descrição típica deste dispositivo legal, podendo, subsidiariamente examinar-se a possibilidade de configurar o crime descrito no art. 325 do Código Penal.”

Para a Policia Federal os inquéritos são feitos sempre de maneira sigilosa na medida em que enquadrados nessa situação.

É o que se lê dos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal, onde se diz que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Disse bem Guilherme de Souza Nucci(Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, pág. 124), o inquérito policial, por ser peça de natureza administrativa, inquisitiva e preliminar à ação penal, deve ser sigiloso, não submetido, pois, à publicidade que rege o processo.

Em sendo assim, não é incomum que o delegado, pretendendo deixar claro que aquela específica investigação é confidencial, decrete o estado de sigilo. Quando o faz, afasta dos autos o acesso de qualquer pessoa. No entanto, aplica-se ainda para o caso a Súmula Vinculante 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. Fora isso, o inquérito segue sob sigilo necessário.”

Desta forma há razões para entender que houve por parte do atual presidente da República a prática do crime aqui considerado. É indiferente que esse sigilo do inquérito venha de lei, da autoridade policial, do juiz.

III – O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO E POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

É certo que o Supremo Tribunal Federal tradicionalmente homologa os pedidos de arquivamento ofertados pelo PGR.

A CF de 1988 consagrou o sistema acusatório no processo penal ao definir o Ministério Público como titular exclusivo da ação penal pública (art. 129, I, CF) e separar as funções de acusar, defender e julgar a atores distintos do sistema processual penal. A investigação preliminar é fase pré-processual, em que o Ministério Público possui função fundamental, mas não é ator exclusivo.

É certo que, no âmbito dos Ministérios Públicos Estaduais, a decisão do Procurador-Geral de Justiça não fica imune ao controle de outra instância revisora. Isso porque ainda há possibilidade de apreciação de recurso pelo órgão superior, no âmbito do próprio Ministério Público, em caso de requerimento pelos legítimos interessados, conforme dispõe o artigo 12,XI, da Lei 8.625/93, in verbis:

“Art. 12. O Colégio de Procuradores de Justiça é composto por todos os Procuradores de Justiça, competindo-lhe:

[…]

XI – rever, mediante requerimento de legítimo interessado, nos termos da Lei Orgânica, decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informações determinada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos casos de sua atribuição originária”.

Penso possível uma construção normativa no caso dos pedidos de arquivamento formulados pelo Ministério Público Federal.

É certo que a matéria sofreu reformulação legislativa, em 2019.

Tem-se então;

Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

  • 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
  • 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

Entretanto o ministro Luiz Fux entendeu por suspender cautelarmente “sine die” a eficácia do caput do artigo 28 do Código de Processo Penal, assim como de outros artigos constantes da Lei 13.964/2019.

No passado, o artigo 28 do CPP, em sua redação originária, dava ao juízo criminal, caso não concordasse com o opinamento do órgão do Parquet, remeter a matéria ao procurador geral para pronunciamento definitivo sobre a iniciativa da ação penal pública.

Vigora assim o texto anterior que determinava que se o juiz fosse contra o pedido de arquivamento os autos seriam encaminhados ao órgão revisor.

Entendo que, por simetria tal deve ser aplicado com relação aos pronunciamentos de arquivamento do procurador-geral da República perante o STF.

Adite-se a isso, que o STF poderia entender sob o argumento de uma norma de bom senso, entender fora da razoabilidade a um pedido de arquivamento. Afinal, atenta-se ao princípio do in dubio pro societate.

Não se pode conviver com discriminações arbitrárias.

Leve-se em conta que um arquivamento de investigação feito sob parâmetros desmedidos deve ser objeto de apreciação em nome dos interesses da sociedade. Pode o STF entender que o caso não reclamava um ato formal de decretação de sigilo por parte da autoridade judicial competente. Afinal, como o texto legal fala somente em “descumprir determinação de sigilo das investigações”, sem declinar sua origem, se legal ou judicial ou ainda da Polícia, quer nos parecer que tal origem seja irrelevante.

Caso isso ocorra os autos deveriam ser remetidos à Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal a quem caberia dar a última palavra do titular da ação penal sobre o caso.

Afinal, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal é o órgão incumbido da coordenação, da integração e da revisão do exercício funcional dos membros do Ministério Público Federal na área criminal, excetuados os temas de atuação das 4ª, 5 ª e 7ª Câmaras.

A esse órgão revisor seria dado tal atribuição, se assim entendesse o STF em caso de não homologar o pedido de arquivamento ofertado pelo PGR.

*É procurador da República com atuação no RN posentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

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Um exemplo de racismo

 

Por Rogério Tadeu Romano*

I – O FATO 

Impressiona o que é relatado pelo site de notícias do jornal o globo, em 9 de fevereiro de 2022:

“A abertura da investigação foi determinada pelo procurador-geral, Augusto Aras. No programa, do qual participaram Kataguiri e a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), Aiub se disse favorável à existência de um partido nazista no Brasil.

Caso se conclua que houve algum tipo de crime na fala do deputado e do apresentador, a PGR poderá denunciálos – ao STF, no caso de Kataguiri, e à Justiça de São Paulo, no caso de Monark.  Em nota, Kataguiri criticou a postura do PGR Augusto Aras e disse que vai colaborar com as investigações porque seu discurso no podcast foi “absolutamente anti-nazista”.

No podcast, Monark disse achar que “o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei.” E prosseguiu: “As pessoas não tem direito de ser idiotas? A gente tem que liberar tudo”. Ao ser contestado por Tabata, que afirmou que a liberdade individual termina a partir do momento que fere a de outra pessoa, Monark reforçou:  “A questão é: se o cara quiser ser um anti-judeu ele tinha que ter direito de ser”, complementou.

Já Kim disse que achava errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando o governo nazista liderado por Adolf Hitler promoveu o extermínio de milhões de judeus e outros grupos.

“O que eu defendo que acredito que o Monark também defenda, é que por mais absurdo, idiota, antidemocrático, bizarro, tosco que o sujeito defenda, isso não deve ser crime”, disse Kataguiri. “Porque a melhor maneira de você reprimir uma ideia é […] é você dando luz naquela ideia, para ela seja rechaçada socialmente e então socialmente rejeitada”.

II – O RACISMO 

Na ementa do HC n. 82.424/RS, Relator Min. MOREIRA ALVES, Relator p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, julgado em 17/9/2003, DJ 19/3/2004, lê-se […]3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.[…]

Assim, seguindo essa linha, raça é um grupo de pessoas que comunga de ideias comuns e se agrupa para defendê-los, mas não pode torná-lo evidente por caracteres físicos, como ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 19ª edição, 2019, pág. 855).

O crime de racismo está previsto em lei especial, de 7.716/1989, já o crime de injúria racial, tem sua previsão no próprio Código Penal, no parágrafo 3º do artigo 140.

A principal diferença reside no fato de que o crime de racismo repousa na ofensa a toda uma coletividade indeterminada, sendo considerado inafiançável e imprescritível.

Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça.

Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Um exemplo recente de injúria racial ocorreu no episódio em que torcedores do time do Grêmio, de Porto Alegre, insultaram um goleiro de raça negra chamando-o de “macaco” durante o jogo. No caso, o Ministério Público entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que aceitou a denúncia por injúria racial, aplicando, na ocasião, medidas cautelares como o impedimento dos acusados de frequentar estádios. Após um acordo no Foro Central de Porto Alegre, a ação por injúria foi suspensa.

Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros. De acordo com o promotor de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Thiago André Pierobom de Ávila, são mais comuns no país os casos enquadrados no artigo 20 da legislação, que consiste em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Lembro o julgamento do Habeas Corpus 82.424, julgado em 2003 no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a corte manteve a condenação de um livro publicado com ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, considerando, por exemplo, que o holocausto não teria existido. A denúncia contra o livro foi feita em 1986 por movimentos populares de combate ao racismo e o STF manteve a condenação por considerar o crime de racismo imprescritível.

Várias são as formas da prática do crime de racismo e a lei é exaustiva em estabelecê-las, conforme determina a Constituição Federal.

A punição para a conduta de racismo foi prevista pela primeira vez na Constituição Federal de 1967, que previa: “[…] O preconceito de raça será punido pela lei”. Além disso, a Emenda Constitucional de 1969, de igual modo, estabeleceu que: “[…] Será punido pela lei o preconceito de raça”. Nesse sentido, é no conteúdo desses dois textos que, pela primeira vez, o Brasil tenta dispor de mecanismos que acabem com esse tipo de atitude.

Apesar disso, a conduta não era prevista constitucionalmente como crime.

A Constituição Federal de 1988foi a primeira, dentre as Constituições brasileiras a estabelecer a obrigação do legislador de prever o crime de racismo.

III – A APOLOGIA DO NAZISMO 

Destaco, de forma especifica, o artigo 20 da Lei Lei n. 7.716/1989.

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

  • 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

  • 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

  • 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

(Revogado)

(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela Lei nº 12.735, de 2012)

III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

  • 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

 Induzir é provocar. Incitar é encorajar, instigar.

Trata-se de crime instantâneo, comissivo, que exige o dolo como elemento do tipo.

Trata-se de delito penal, que à luz da Constituição Federal, é imprescritível.

O tipo penal envolve um verdadeiro flerte totalitário.

Trata-se de crime formal, de mera conduta, não se exigindo a realização do resultado material para a sua configuração.

O Ministério Público poderá oferecer proposta de acordo de não persecução penal, uma vez que a pena mínima é menor que 4(quatro) anos.

Não há que se fazer diferenciação entre as figuras da prática, da incitação ou do

induzimento, para fins de configuração do racismo, eis que todo aquele que pratica uma destas condutas discriminatórias ou preconceituosas, é autor do delito de racismo, inserindo-se, em princípio, no âmbito da tipicidade direta(STJ, HC 15155 / RS).

 Para o caso abordado devem ser tomadas as seguintes providências cautelares com relação a emissora que transmitiu aquela discussão de índole antidemocrática:

I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

(Revogado)

(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela Lei nº 12.735, de 2012)

III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de 2010)

IV – OS PERIGOS DO NAZISMO 

Esse pensamento procurou impor o chamado domínio da raça superior, exaltando, no plano interno, os vínculos nacionais, dignificando o que chamou de história alemã, visando a depuração da nacionalidade com o fim de realizar uma Alemanha isenta da influência de não-arianos. Com esta finalidade foi elaborada a lei sobre esterilização, em vigor a partir de 1º de janeiro de 1934.

O racismo alemão no nazismo era um racismo político, fundando no estado civil e no vínculo da religião.

O nazismo procurou impor o mito de um domínio da raça superior ariana.

Mas há distinções entre o fascismo e o nazismo como explicou Pedro Calmon: a moral do fascismo era clássica: sonhava com o império romano; a do nazismo era romântica, reavivando as origens germânicas. O fascismo considerava a raça uma comunidade de sentimentos; o nazismo o laço do sangue. O fascismo considerava o império como uma tendência política: é o fim dominador do Estado; o nazismo, como uma predominância racial, o destino superior dos arianos. O fascismo era um movimento de romanidade; o nazismo estendeu-se aos países onde havia minorias étnicas alemães, era um movimento de consanguinidade.

No que tange à sua organização econômica declarou o nazismo que a totalidade dos alemães forma uma comunidade econômica, os atentados à economia nacional devem ser castigados com a pena de morte. O estabelecimento de um ano de trabalho obrigatório gratuito para a pátria, dado como serviço militar, tem um alto valor educativo e econômico.

O princípio da igualdade perante a lei, no Estado nazista, foi substituído pela igualdade de deveres e pelo de prevalência do bem comum sobre o bem individual. Sectário e intolerante como todas as ditaduras a ditadura nazista absorveu inteiramente a personalidade humana e anulou todos os valores individuais,

Tudo isso levou a milhões de mortos entre 1939 e 1945.

É sempre chocante lembrar o discurso do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, para quem uma das maiores ironias da democracia liberal “é que ela concedeu aos seus inimigos mortais os meios para que fosse destruída”.

Entre as vítimas dos nazistas, estiveram judeus, negros, gays, pessoas com deficiência física ou mental, ciganos, comunistas e testemunhas de Jeová.

Apenas entre 1941 e 1945, 6 milhões de judeus foram executados nos campos de extermínio nazistas. Para efeitos de comparação, esse é quase o mesmo número de habitantes da cidade do Rio de Janeiro hoje. O genocídio do povo judeu ficou conhecido como Holocausto e é reconhecido como um dos episódios mais traumáticos da história da humanidade(Agência Senado)

V – OS PERIGOS DO NOVO NACIONAL SOCIALISMO

Os movimentos neonazistas preocupam.

Após vários ataques realizados por extremistas, Haldenwang anunciou que a ala conhecida como “Der Flügel” (A Asa), em 2020, era a principal força de oposição na Câmara dos Deputados exigindo sob vigilância policial. Segundo o diretor do serviço secreto alemão, hvia claros indícios de inconstitucionalidade nas ações do grupo, que estariam influenciando a liderança do partido, uma vez que seus dois principais líderes são extremistas de direita.

O movimento “Der Flügel” é liderado por Björn Höcke, um político do Estado da Turíngia. Ele não faz parte da estrutura partidária oficial da AfD e, portanto, não há uma lista de seus membros. Segundo o serviço secreto alemão, calcula-se que 20% do partido, ou seja, cerca de 7 mil pessoas, pertença a esse grupo radical, como informa a TV Deustche Welle. Em todo o país, estima-se que haja cerca de 32 mil extremistas de direita.”

São essas as propostas dessa vertente do novo fascismo na Alemanha:

No plano econômico, o AfD quer que a Alemanha abandone o euro e pare com os milionários resgates a países europeus altamente endividados. O partido anti-euro foi fundado em 2013 como uma opção contra os planos da União Europeia para resgatar a Grécia.

– O plano político da legenda tem como pilar declarar o islã incompatível com a Alemanha, incluindo o estabelecimento de registros rigorosos de organizações islâmicas.

O crescimento da extrema direita e a saída dos socialdemocratas da coalizão do governo dificultam as negociações para a chanceler alemã Angela Merkel, que venceu as legislativas recentes e preza valores nacionalistas.

O partido quer exigir o fechamento das fronteiras e endurecer o direito de refúgio na Alemanha.

O partido tem nítidas propostas contrárias a globalização, ao convívio com minorias

Esse o quadro tão surreal quanto preocupante do avanço da direita justamente onde levou a morte milhões de pessoas anos atrás.

VI – SOBREVIVÊNCIA DA DEMOCRACIA ALEMÃ E DO ESTADO DE DIREITO

Mas a Constituição da Alemanha, fruto da Lei Fundamental de Bonn, em 1949, irá sobreviver.

O respeito e o reconhecimento que se tem na Lei Fundamental ultrapassam obstáculos, como, v.g.,a imposição da Constituição, o período de turbulência característico do momento em que precedeu ou que foi aprovada – na sequência dos horrores da 2a Guerra –, que poderiam facilmente ter enfraquecido e desacreditado aquela nova proposta. Mas por outro lado, e de uma maneira até admirável, o povo daquele país, já marcado pelo sofrimento e desgaste do período, preferiu dar um voto de confiança àquela perspectiva que se apresentara.

Daí porque não há convivência entre o modelo de estado democrático de direito próprio da carta alemã e experiências nazistas e totalitárias.

O princípio da democracia destina-se, pois, a amarrar um procedimento de normatização legítima do direito. Ele significa, portanto, que somente podem pretender ter validade legítima leis juridicamente capazes de ter o assentimento de todos os parceiros de direito em um processo de normatização discursiva. O princípio da democracia contém, desta forma, o sentido performativo intersubjetivo necessário da prática da autodeterminação legítima dos membros do direito que se reconhecem como membros iguais e livres de uma associação intersubjetiva estabelecida livremente.

Na lição de Habermas, o princípio da democracia pressupõe preliminarmente e necessariamente a possibilidade da decisão racional de questões práticas a serem realizadas no discurso, da qual depende a legitimidade das leis.

Para Habermas, é equitativa a ação quando a sua máxima permite uma convivência entre a liberdade do arbítrio de cada um e a liberdade de todos conforme uma lei geral.

Na democracia há a permanente realidade dialógica. No totalitarismo rompe-se o diálogo, aniquilam-se as liberdades. Desconhecem-se direitos.

Pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerdas que atuaram na década de 1970 na Alemanha.

Por essa doutrina, é possível investigar e mesmo restringir direitos de grupos que ameaçam a democracia, como agora ocorre com os radicais na Alemanha.

Isso pode-se chamar de democracia militante.

Dir-se-ia que as democracias constitucionais já estabeleceram mecanismos voltados a conter ataques aos seus pilares fundamentais. Mas, a democracia, como forma de convivência, tem sempre a sua volta o espectro de pensamentos contra ela voltados. Para tanto, há, como no Brasil, com sua Constituição-cidadã de 1988, a fixação de cláusulas pétreas que defendem a sua integridade contra qualquer possibilidade de alteração. Isso é um indicativo a Corte Constitucional, suprema guardiã da Carta Democrática, para a sua atuação. Um desses pontos que não podem ser objeto de alteração é o respeito a independência dos poderes.

Tal serve de alerta para o Brasil onde temos um Executivo em flerte com a ditadura e o autogolpe como demonstrou abertamente em várias manifestações, como as de 7 de setembro de 2021.

Isso é o que se tem a considerar.

É possível conviver com uma proposta normativa que elimina a própria regulagem de forma a admitir partidos que advoguem que advoguem soluções totalitárias? Parece-nos que não. Ideologias que impeçam ao diálogo não convivem com a democracia, onde as opiniões convergem e divergem.

Assim não há espaços para modelos decisionistas que não convivem com posições antagônicas.

O Estado Totalitário traz uma falsa consciência de direito. Um universo antitético.

O que há é a necessidade premente de manter, num país democrático como a Alemanha, o Estado Democrático de Direito.

Comentando o mesmo princípio da Constituição da República portuguesa, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira oferecem aos estudiosos, uma resposta: “Esse conceito – que é seguramente um dos conceitos-chave da CRP – é bastante complexo, e as suas duas componentes – ou seja, a componente do Estado de direito e a componente do Estado democrático – não podem ser separadas uma da outra. O Estado de direito é democrático e só sendo-o é que é Estado de direito. O Estado democrático é Estado de direito e só sendo-o é que é democrático”.

Os estudiosos veem o conceito de Estado de Direito como uma coloração nitidamente germânica. Ali foi que, após duas guerras mundiais sangrentas, e um desrespeito flagrante aos direitos humanos, que o conceito se sedimentou com maior rigor.

O Estado de Direito é o oposto do Estado de Polícia. É de sua essência, pois, a submissão da atuação do Estado ao direito, do que defluirá a liberdade individual, e o repúdio à instrumentalização da lei e da administração a um propósito autoritário.

Canotilho e Vital Moreira consignaram sobre o princípio: “Afastam-se ideias transpessoais do Estado como instituição ou ordem divina, para se considerar apenas a existência de uma res pública no interesse dos indivíduos. Ponto de partida e de referência é o indivíduo autodeterminado, igual, livre e isolado”. O Estado de Direito está vinculado, nessa linha de pensar, a uma ordem estatal justa, que compreende o reconhecimento dos direitos individuais, garantia dos direitos adquiridos, independência dos juízes, responsabilidade do governo, prevalência da representação política e participação desta no Poder Legislativo.

Ainda ensinaram Canotilho e Vital Moreira: “O Estado de Direito reduziu-se a um sistema apolítico de defesa e distanciação perante o Estado”. Tornam-se as suas notas marcantes: a repulsa da ideia de o Estado realizar atividades materiais, acentuação da liberdade individual, na qual só a lei podia intervir e o enquadramento da Administração pelo princípio da legalidade.

A procura da jugulação do arbítrio, como acentuou Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, primeiro volume, pág. 422), só se pode dar debaixo dos subprincípios que estão enfeixados na concepção ampla do Estado de Direito. Não se conhece a liberdade senão os países que consagraram a primazia do direito.

Deve-se então entender a natural reação da democracia alemã e essas ideologias nefastas voltadas a uma dogmática que afronta a convivência democrática.

São próprias da democracia e, desta forma, devem ser entendidas, pois aparecem para preservá-la.

Tal como as medidas tomadas contra uma pandemia devem ser contidas todas as ofensas à democracia e a ordem constitucional.

*É procurador da república com atuação no RN aposentado.

Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.

 

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PGR pede que inquérito que investiga Fábio Faria seja enviado para a Justiça Eleitoral

Por Tayguara Ribeiro

Folha de S. Paulo

A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu que o inquérito contra o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), por suposto caixa dois nas eleições de 2010, seja enviado à Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte.

A investigação, referente ao acordo de delação firmado entre o Ministério Público Federal e a Odebrecht, foi arquivada em 2019. O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, porém, citou a inclusão de “outros elementos de prova” para que uma eventual reabertura do caso seja analisada pela esfera eleitoral.

O atual ministro do governo Jair Bolsonaro foi investigado a partir da colaboração premiada da empreiteira, devido à suspeita de ter recebido valores não contabilizados para financiar sua campanha eleitoral em 2010 para a Câmara dos Deputados.

Na manifestação do dia 1º deste mês, a PGR cita entre os “outros elementos de prova” um laudo pericial referente ao exame nos sistemas de contabilidade paralela do Grupo Odebrecht em que há referência a pagamentos supostamente feitos aos investigados, identificados com codinomes.

O documento da PGR diz que “antes de se manifestar sobre a possibilidade de reabertura deste inquérito, ante a juntada aos autos de outros elementos de prova, faz-se necessário abordar as questões atinentes ao prazo prescricional e ao órgão jurisdicional competente para conduzir a investigação”.

Segundo o texto do vice-procurador-geral enviado à ministra do STF Rosa Weber, o inquérito deve ser remetido à Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte, já que “a ocorrência, em tese, do crime de falsidade ideológica eleitoral conduz à conclusão de que a competência para conduzir este inquérito é da Justiça Eleitoral de primeira instância e não do Supremo Tribunal Federal”.

Medeiros afirma ainda que o “juízo para o exame da reabertura do caso” deve ser feito na Justiça Eleitoral do estado. Em caso de recusa dessa solicitação, a PGR pede que o STF dê um novo prazo “para fins de manifestação sobre a possibilidade de reabertura deste inquérito”.

Além do atual ministro do governo Bolsonaro, o pai dele, Robinson Faria, e Rosalba Ciarlini Rosado (candidatos, respectivamente, a vice-governador e a governador do RN em 2010) também são investigados no caso.

O inquérito contra Fábio Faria foi aberto com base nas delações de Alexandre José Lopes Barradas, ex-diretor da empresa, Fernando Luiz Ayres da Cunha Reis, ex-presidente e fundador da Odebrecht Ambiental, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o “BJ”, ex-presidente da Odebrecht, Ariel Parente, ex-executivo da Odebrecht em Alagoas, e João Antônio Pacífico Ferreira, ex-diretor da empresa.

Segundo eles, a Odebrecht Ambiental destinou R$ 100 mil à campanha dele a deputado federal em recursos não contabilizados.

Os delatores dizem que os repasses foram feitos porque a Odebrecht Ambiental tinha interesse em participar de parcerias público-privadas nas áreas de saneamento básico no Rio Grande do Norte.

Em fevereiro de 2019, a ministra Rosa Weber arquivou a investigação da PGR por falta de provas que corroborassem as acusações dos delatores.

Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, o ministro Fábio Faria afirma que “em momento algum a manifestação do Ministério Público Federal é no sentido de pedir a reabertura do inquérito”.

Segundo o texto, “o MPF apenas está questionando a competência da Suprema Corte no presente caso”. “O documento juntado nos autos, neste momento, já constava do pedido de instauração do inquérito e foi objeto da investigação que concluiu que o caso deveria ser arquivado”, afirma.

Ainda de acordo com a nota enviada pelo ministro Fábio Faria, o MPF não se manifestou sobre a reabertura do caso “até porque não é possível reabrir a investigação ante a inexistência de qualquer fato novo, conforme petição protocolada com todos os esclarecimentos”.

Além deste caso, o ministro das Comunicações foi alvo de outros três inquéritos no Supremo Tribunal Federal por suspeita de recebimento de caixa dois eleitoral e crimes eleitorais, como o uso de uma aeronave do Governo do Rio Grande Norte para fazer campanha.

Ele também foi citado em delação por executivos da J&F por supostos repasses ilegais feitos a ele e ao seu pai, o ex-governador Robinson Faria, em troca de favorecimento ilegal em atividades das empresas no estado. Em todas as acusações, Fábio Faria negou ter cometido irregularidades.

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STF autoriza investigação para apurar falas de Styvenson contra deputada

Styvenson fez chacota com situação de deputada (Foto: reprodução/Blog do Barreto)

Por Fernanda Vivas e Márcio Falcão

TV Globo

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou nesta quinta-feira (26) a abertura de um inquérito para apurar a conduta do senador Styvenson Valentim (Pode-RN).

Rosa Weber atendeu a um pedido apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão quer apurar se o senador cometeu crime contra a honra da deputada Joice Hasselmann (sem partido-SP) em declarações na internet.

Em julho, Joice Hasselmann acionou a Polícia Legislativa do Senado após apresentar fraturas no rosto e no corpo.

Em uma transmissão ao vivo em redes sociais, Styvenson comentou o assunto e teria afirmado: “Aquilo ali, das duas uma: ou duas de quinhentos [em um gesto, Styvenson leva as mãos à cabeça, fazendo chifres] ou uma carreira muito grande [inspira como se cheirasse droga]. Aí ficou doida e pronto… saiu batendo em casa”.

No último dia 13, a Polícia Civil do Distrito Federal concluiu que a deputada caiu, possivelmente em decorrência de efeitos de remédio para dormir.

Decisão

Na decisão em que autorizou a abertura do inquérito, Rosa Weber afirmou que há elementos mínimos que justificam a abertura de uma investigação para apurar se houve crime.

A ministra autorizou que o senador e a deputada prestem depoimentos sobre os fatos. O inquérito tem prazo inicial de 90 dias.

O pedido da PGR

No pedido de abertura de inquérito, o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros afirmou que é preciso verificar o contexto das declarações e se estão no contexto da imunidade parlamentar, ou seja, se as falas têm relação com o desempenho do mandato.

“A natureza dessas declarações implica, em tese, a prática de crime contra a honra, sendo necessária a elucidação do contexto de tais expressões para compreensão da sua ligação com o exercício do mandato e seu alcance pela imunidade material parlamentar”, afirmou.