“(…) aliás, toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas (…)” – Karl Marx
Por Pedro Lúcio Góis e Silva*
Desde a derrota na eleição presidencial no segundo turno das eleições de 2022, a extrema-direita viu-se desnorteada, seja porque esperavam que o uso imoral de recursos públicos e instrumentos legais e ilegais dos mais diversos surtissem efeito suficiente para alterar o quadro eleitoral apontado nas pesquisas, ou porque a crença propagada entre os militantes de que eles ganhariam o pleito com larga margem de diferença viu sua ruína. Fato é que desde a derrota, esse agrupamento golpista de porta de quartel adotou várias estratégias para tentar dominar o debate público, desde a produção de mentiras em escala industrial (aqui destaco as centenas de notícias faltas afirmando que o resultado das eleições seria anulado), até a distorção de fatos históricos para tentar minimizar os gravíssimos atentados golpistas do presente (aqui é preciso fazer menção à tentativa de equiparação dos atos de 2013 e 2017 com os gravíssimos atentados dos dias 12 de Dezembro de 2022 e 08 de Janeiro de 2023) na tentativa de desviar o foco do debate político e apresentar uma contra ofensiva, afinal, a tônica atual do debate público é pela responsabilização do agrupamento golpista pelos mais diversos e desumanos crimes que se possa imaginar, desde a tentativa de subversão e destruição da ordem democrática, passando por dezenas de denúncias de corrupção, até o genocídio de povos originários em conluio com traficantes e garimpeiros ilegais.
Mais recentemente, o Presidente Lula chamou Michel Temer de golpista em dois eventos de sua primeira viagem internacional. Isso não é novidade alguma, essa é a narrativa do Presidente, de seu partido – o PT – e de grande parte da esquerda e centro-esquerda brasileira desde 2016, inclusive durante o processo eleitoral de 2022. No entanto, dessa vez o discurso deu margem para que a estratégia da extrema-direita explorasse as contradições dentro da coalizão que se formou pela defesa da democracia a reavivasse o debate sobre a qualidade do impeachment da Presidenta Dilma, debate que, embora muito importante para que a história recente do Brasil seja compreendida, nesse momento mais atrapalha do que ajuda na manutenção da frente ampla em defesa da democracia, ponto central dessa quadra histórica, justamente porque é um tema em que não há consenso dentro dessa frente ampla. Trata-se, portanto, de uma verdadeira armadilha contra a qual faz-se urgente a retomada da centralidade da defesa da democracia no debate público por todos aqueles que reconhecem a ameaça que enfrentamos nesse momento.
Por fim, a Ciência Política nos ajuda a compreender a essência por trás da aparência que se sintetiza na realidade. Para entendermos a essência do processo que retirou a Presidenta Dilma do poder em 2016 não basta analisar metodicamente se os requisitos para o processo de impeachment foram cumpridos, mas, mais do que isso, é preciso que analisemos quais os objetivos pretendidos e alcançados com aquele procedimento, e fica claro que o objetivo não era responsabilizar a Presidenta por um crime de responsabilidade, afinal, até seus direitos políticos foram mantidos ao final do processo, mas sim implementar, à revelia do voto popular, um programa de retrocesso de direitos sociais e trabalhistas e enfraquecimento do papel do Estado Brasileiro, programa esse materializado no Teto de Gastos, Reforma Trabalhista, privatizações, redução dos orçamentos da saúde e educação entre outros retrocessos, caracterizando, para este autor que vos escreve, portanto, um golpe. De toda forma, espero sinceramente que esse debate não perdure e que possamos novamente, superando as discordâncias sobre essa interpretação, nos unirmos em defesa da democracia, sob a liderança do Presidente Lula, em torno da implementação do programa de governo que recebeu o crivo das urnas nas eleições de 2022.
*É Petroleiro, Bacharel em Direito pela UFERSA e pós-graduado em Direitos Humanos pela UERN. Atualmente ocupa o cargo de Diretor da Federação Única dos Petroleiros – FUP, do Sindicato dos Petroleiros do Estado do Rio Grande do Norte – SINDIPETRO/RN e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.
A palavra “moral” vem do latim mos ou moris – e significa costumes. Significa que nós vivemos em uma sociedade que contém normas estabelecidas do que é certo e do que é errado. Na política, a moral esteve presente nos estudos de Maquiavel, Thomas Hobbes, Emmanuel Kant e Marx Weber, só citando alguns dos clássicos. Pode-se dizer que a política é um terreno de representação comunitária e social onde os contrários são obrigados a conviver e a tomar decisões coletivas. A partir daí, se estabelece um princípio de transação, caracterizando dessa forma que existe no campo da política adversários e não inimigos.
O impacto da hipermoralização no debate político tem grandes consequências na qualidade da democracia e na construção de consensos ou acordos. Quando os líderes políticos, e seus simpatizantes e/ou militantes radicais, apresentam contestação e oposição política por motivos morais, o fim está próximo. Ninguém reconhece nada aceitável no outro (em suas ideias ou propostas), se considera que suas posições são moralmente ruins e as suas são boas, simplesmente porque são nossas.
O psiquiatra Pablo Malo nos ensina através de suas sábias palavras que “o mundo não consiste em pessoas boas que fazem coisas boas e pessoas más que fazem cosias ruins, porque os maiores males ao longo da história foram cometidas que acreditavam estar fazendo o bem”. A onda populista e de narrativas míticas tem bem esse papel de esconder a verdade por trás das máscaras.
Na política, a hipermoralização contribui para uma polarização extrema e ao fanatismo de ideias. Poderia arriscar que estamos vendo uma inversão, no qual o púlpito democrático, que parte da população não acredita mais, se converteu em púlpito radical e muitas das vezes digital. Desta forma, os indivíduos tribais são alertados para o comportamento dos seus oponentes, que são considerados como o “outro”, aqueles que pensam diferente são considerados inferiores, e claro que a tribo dominante é chamada a agir, pois suas posições são as que deveriam ser e prevalecer por imposição.
A hipótese de ser convencido implicaria para esses indivíduos aceitarem um debate democrático, porém o que assistimos hoje é que esses acreditam que são obrigados a impor suas ideias, negar as do rival e aniquilar o oponente. Lembrando que a maior ferramenta para execução dessa tática são as redes sociais, na verdade, elas representam o campo de atuação desses soldados, que em algum momento poderão invadir o mundo real, o que vem se mostrando possivelmente possível de acontecer, um perigo à vista.
Os “crentes” políticos são aqueles mais propensos ao extremo político, ao maniqueísmo e a considerar os seus rivais (indivíduos e grupos) e adversários como verdadeiros inimigos. A intransigência moral é o núcleo central do desprezo pelo outro, a falta de empatia e solidariedade. Características iminentes e objetivas deste perigoso fenômeno é sua identificação com o mal, que acaba ganhando legitimidade e credibilidade na mão pesada da tribo.
É a prevalência do império da incredulidade com relação a razão. É o império da preferência pelo castigo do que a justiça, por isso o desprezo pelas instituições tem se mostrado fundamental para estes que pensam assim, o iluminismo não é mais necessário, volta-se aos primórdios das trevas.
*É sociólogo.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o barreto269@hotmail.com e bruno.269@gmail.com.
O Departamento de Políticas Públicas da Universidadae Federal do Rio Grande do Norte (DPP/UFRN) realiza na próxima quarta-feira, às 16h, mais uma edição do projeto “Debates de Conjuntura”.
O tema será “As CPIS e a estranha maioria de Fátima na Assembleia”. Os debatedores serão os professores Alan Lacerda, Daniel Menezes e Sandra Gomes, todos da UFRN.
“O governo Fátima apresenta o paradoxo de ter uma maioria aparente no plenário da Assembleia Legislativa, combinada a uma situação mais frágil nas comissões parlamentares de inquérito na Casa. O que a área de estudos legislativos pode revelar a respeito e como anda a conjuntura política estadual?”, questiona Alan Lacerda.
Ontem o Blog do Barreto publicou reportagem sobre um estudo que analisou perfil do secretariado do Governo do Rio Grande do Norte no período entre 1995 e 2015 (ver AQUI). O trabalho foi realizado pelos pesquisadores Alan Lacerda e Sandra Gomes são do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) enquanto que André Luís é da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas. Conversamos com um dos autores do trabalho, Alan Lecarda, que nesta entrevista analisa o papel da Assembleia Legislativa dentro dos governos e o que pesa no êxito de um governo em termos de secretariado.
Blog do Barreto: O artigo aponta que no recorte temporal analisado que as indicações de secretários sofrem menos influência da representação partidária na Assembleia Legislativa do que ocorre em nível federal. Seriam as relações políticas no RN menos institucionalizadas?
Alan Lacerda: O conceito de institucionalização nesse caso é um tanto complexo, pois supõe que se deva definir primeiro o que é uma relação política institucionalizada. Se por institucionalizado se entender um ambiente político regido pelo recrutamento de políticos por critérios partidários, sim, as relações políticas no estado apresentam menor grau de “institucionalização”. É importante notar que na literatura acadêmica por vezes a institucionalização também pode ser informal, ou seja, regida por normas mais ou menos estáveis que não residem nas instituições representativas. Nesse sentido mais societal, talvez seja possível dizer que há uma institucionalização das relações políticas no estado, baseada em redes pessoais nas quais o partido é apenas um elemento. É um ponto para futuras pesquisas.
BB: O artigo faz comparação com democracias parlamentaristas que formam governos a partir de quadros dos próprios partidos. No RN os governos buscam nomes de fora das agremiações. Isso indica uma carência de quadros dentro dos partidos?
AL: isso indica que os partidos de modo geral não são os lugares principais do recrutamento político e de formação de quadros para a política. Se as agremiações não retêm esses quadros, o governador ou governadora trabalhará com o que pode divisar no panorama técnico-político e no seu círculo de relações pessoais.
BB: Outro ponto que chama atenção é que os governadores geralmente formam maiorias na Assembleia Legislativa sem ser pela via partidária, mas pelo varejo diretamente com os deputados. Por que o parlamento influencia tão pouco no secretariado?
AL: isso varia um pouco entre os governos, e dentro de cada um deles. O governo Garibaldi, por exemplo, foi o mais “partidário” no período 1995-2015. A rigor, argumentamos que o elemento partidário se mescla com redes familiares e pessoais de confiança do governador. É importante também chamar a atenção para o segundo escalão e a administração indireta estadual, que não foram objeto de nossa pesquisa. Talvez neles resida outro padrão, que qualifique o que dissemos no trabalho, ou seja, um padrão no qual o perfil partidário das bases governistas na Assembleia é atendido de um modo mais claro.
BB:Observando as tabelas percebe-se que não exatamente um padrão de formação do secretariado. Cada governo tem uma característica própria. Qual o modelo ideal?
AL: A pergunta demanda uma avaliação de valor, que pode ser diferente inclusive entre os autores do artigo. Na minha opinião, o secretariado estadual poderia ter maior competência técnica, ou seja, preparo especializado e boa formação, como também maior competência política, ou seja, alguma capacidade de alterar a realidade com criatividade e articulação política. Eu acho os quadros relativamente frágeis em ambas as dimensões, mesmo considerando, como fazemos no texto, que vários secretários são indicados por uma mescla de critérios técnicos e políticos.
BB: O clichê da cobertura política valoriza o secretariado técnico. A tabela indica que Rosalba montou a equipe mais técnica, mas ela teve a pior avaliação no período e isso passou por sérios problemas de ordem política, inclusive. Foi só isso que deu errado?
AL: Sim, minha compreensão é que o problema fundamental do governo Rosalba foi de ordem política. A maneira como o então vice-governador Robinson Faria foi alijado da gestão demonstra imenso amadorismo político, que prosseguiu no trato com a Assembleia Legislativa. Possivelmente a passagem da escala municipal para a estadual mostrou que o círculo da então governadora possuía limitações muito sérias de articulação política, que eram mascarados até então pela dimensão municipal na qual haviam vicejado em Mossoró.
BB: Robinson que teve apenas o início do Governo analisado gabava-se de ter uma equipe que aliava o técnico e o político e o estudo comprovou isso, mas o resultado na avaliação dele não foi o esperado. Seria efeito da conjuntura daquela quadra histórica?
AL: o secretariado de Robinson, em termos de gestão, tinha o mesmo nível que seu chefe. Quadros frágeis, inclusive na sensível área da segurança pública, sem capacidade de definir prioridades. A rigor, o governador vendeu um governo técnico que nunca existiu. Não basta encher o governo de técnicos para que uma gestão tenha excelência técnica; os técnicos precisam ser bons e ter uma orientação política clara do principal gestor. O governador não percebeu que sua capacidade de articulador político, certamente eficaz nas miudezas diárias da movimentação política, não correspondia com sua dificuldade pessoal de gerir, de definir prioridades e realizar escolhas difíceis. O secretariado deveria ter sido composto de nomes muito melhores do que os efetivamente nomeados para que o governo tivesse uma chance de dar certo.
BB: Em relação ao Governo atual, quais diferenças e semelhanças é possível apontar em relação ao período estudado?
AL: não cheguei a estudar a composição do secretariado do atual governo. De um ponto de vista político, a novidade gerada pelo pleito de 2018 foi a criação de uma gestão com claro perfil de centro-esquerda. Talvez um ponto controverso: não julgo que Wilma de Faria como governadora foi isso entre 2003 e 2010, como se poderia avaliar. Esta avaliação de certa forma emerge do fato da gestora ter se alinhado de um modo mais estreito às políticas do governo Lula no plano da União. Não considero isso suficiente para a mencionada classificação. No caso de Fátima é possível esperar, e na verdade já é possível ver, dentro das limitações fiscais, políticas de fato estaduais que giram à esquerda, como as compras de agricultura familiar. Do ponto de vista da base partidária na Assembleia, no entanto, o governo também é confuso. Há bancadas divididas entre o situacionismo e a oposição, a exemplo do PSD e PSDB; a maioria absoluta foi obtida caso a caso e a composição partidária não parece se refletir no secretariado. Isso provavelmente impacta no perfil de nomeações do primeiro escalão, gerando fenômenos similares ao de gestões anteriores, analisados no artigo. A governadora tem que trabalhar com o que tem, assim como seus antecessores.
Um estudo realizado pelos professores Sandra Gomes, Alan Daniel Freire de Lacerda e André Luís Nogueira da Silva traçou o perfil do secretariado potiguar entre os anos de 1995 e 2015, um trabalho que visou identificar se existiu no período que abrangeu seis gestões (quatro eleitas – Garibaldi Alves Filho, Wilma de Faria, Rosalba Ciarlini e Robinson Faria- e dois mandatos “tampões”- Fernando Freire e Iberê Ferreira) houve predominância técnica ou política, além da influência dos acordos forjados na Assembleia Legislativa.
Alan Lacerda e Sandra Gomes são do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) enquanto que André Luís é da Escola de Administração de Empresas de São Paulo e Fundação Getúlio Vargas.
Eles identificaram no trabalho que a lógica das relações entre o Governo do RN e a Assembleia Legislativa não é necessariamente a mesma que ocorre entre o executivo federal e o Congresso Nacional. “Nem todos os partidos da base parlamentar detêm nomeações para o secretariado e não se observam regras de proporcionalidade ao tamanho das bancadas no Legislativo. A análise das trajetórias pessoais dos secretários e secretárias no Rio Grande do Norte sugere haver outras lógicas que explicam suas escolhas”, diz o artigo.
Apesar disso, houve variações significativas no perfil do secretariado entre os governos dentro dos critérios estabelecidos no estudo que dividiu os secretariados em quatro categorias:
Político
Técnico
Técnico e político
Nem político nem técnico.
Confira no quadro abaixo a conceituação dos critérios:
No período entre 1995 e 2015 coube a Rosalba Ciarlini (na época do DEM) o título de governadora que formou a equipe mais técnica. Enquanto Robinson Faria (PSD) que, teve apenas o início da gestão analisado, ficou com o título de quem mais aliou características técnicas e políticas na equipe. O segundo governo de Garibaldi Alves Filho (PMDB) – 1999/2002 – foi o que registrou o maior perfil político.
Confira no quadro abaixo:
Em conversa com o Blog do Barreto (entrevista na íntegra será publicada amanhã), Alan Lacerda, um dos autores do trabalho, explica que os elementos políticos e partidários na formação dos governos se mescla com questões familiares e que seria necessário saber como se deu a formação nos escalões inferiores. “Isso varia um pouco entre os governos, e dentro de cada um deles. O governo Garibaldi, por exemplo, foi o mais “partidário” no período 1995-2015. A rigor, argumentamos que o elemento partidário se mescla com redes familiares e pessoais de confiança do governador. É importante também chamar a atenção para o segundo escalão e a administração indireta estadual, que não foram objeto de nossa pesquisa. Talvez neles resida outro padrão, que qualifique o que dissemos no trabalho, ou seja, um padrão no qual o perfil partidário das bases governistas na Assembleia é atendido de um modo mais claro”, explicou.
Apesar das variações entre os governos o estudo avaliou que a característica que mais se sobrepõe nos Governos do RN é o que alia perfil que conjugam características técnicas e políticas. “Na grande maioria dos governos, o uso de critérios puramente técnicos, considerando tanto a concepção restrita quanto a ampliada, se sobrepõe às escolhas com viés unicamente político e os governos potiguares têm optado pela combinação de qualificações técnicas e políticas ao mesmo tempo”, diz o artigo.
Isso se deve ao faro de que as conexões partidárias se mesclam com as conexões pessoais e familiares, inclusive se estendendo aos secretários considerados técnicos. “Que fique claro – há coalizão, mas os partidos só podem ser tomados como unidades de análise em certas agremiações e determinados momentos, assim como em determinadas secretarias. A inclusão dos partidos não parece se guiar por cálculos restritos à Assembleia e as nomeações ditas técnicas refletem uma associação e concepção alargadas da competência funcional da pessoa, como vimos na discussão da Seção 1. Daí o sentido de ambiguidade, ou de não univocidade, detectado por nós durante a investigação. Boa parte da discussão empreendida aqui pode ser reexaminada e qualificada, em futuro inquérito, sob o ângulo da “coalizão mitigada”, conclui o trabalho.
Governos do RN se pautam pela composição partidária da Assembleia na hora de forma o primeiro escalão
A pesquisa traz também um quadro comparativo entre o quadro partidário na Assembleia Legislativa e a ocupação de espaços pelos partidos no primeiro escalão.
O estudo mostra que em democracias parlamentaristas são os partidos que pinçam de seus quadros os indicados para compor os governos. Eles também comparam a situação no RN com estudos como o de Sandes-Freitas & Massoneto (2017) que apontam peso partidário nas nomeações no Piauí e São Paulo. Ele também cita o trabalho de Passos (2013) sobre o Rio Grande do Sul que indicou o PDT ocupando 85% das secretarias na gestão de Alceu Colares (1991/95) comparada com a de Antonio Britto (1994/98) que fez um governo todo montado a partir de indicações partidárias.
O estudo levanta a hipótese de a menor participação dos partidos numa Assembleia Legislativa se dê pela baixa quantidade de parlamentares, no caso do RN 24. “Há aspectos especificamente estaduais que devem figurar na reflexão. Um ponto objetivo óbvio, mas raramente notado nessa discussão, merece menção: assembleias estaduais são bem menores que o Congresso Nacional. A maior assembleia estadual, a paulista, tem menos de cem integrantes – a sua congênere potiguar, nosso objeto aqui, possui 24 deputados. A tarefa de compor o secretariado, se pensamos a questão estritamente em termos de escala, é facilitada. O governador pode, por exemplo, fazer contatos pessoais, facilitando transações eleitorais relacionadas ao pleito de um prefeito. Alguns deputados estaduais podem valorizar mais sua influência em disputas municipais do que a ocupação de espaços na administração estadual”, afirma.
No período analisado, Garibaldi Alves Filho teve a gestão com maior peso partidário sendo que o seu partido, o PMDB, no primeiro governo ficou sobre-representado, situação que mudou no segundo mandato quando a agremiação indicou 54% das pastas. “É verdade que o PMDB também detinha maioria similar de deputados na base aliada, mas precisamos considerar que um subconjunto das indicações não tinha critério partidário. Levando em conside[1]ração apenas as indicações de filiados a partidos da base para secretário, quase 80% é dirigida a peemedebistas. Mesmo o PPB (antigo PPR) obteve apenas duas secretarias, ou cerca de 8% do total da “cota” destinada aos partidos, apesar de possuir 35% dos deputados da coalizão governativa (Macedo, 2017; Santos, 2017)”, destaca o trabalho.
Eleita com uma coligação pequena, que terminou por ampliar a base no segundo turno, Wilma de Faria precisou atrair aliados para garantir apoio no parlamento. Ela precisou abrir mais espaço para os partidos. “As nomeações de Wilma se espalham no seu próprio partido e por PFL, PT, PDT, PCdoB, PPS, PL (posteriormente PR), PTB, configurando-se um cenário de maior fragmentação partidária derivado em parte da própria Assembleia. A pesquisa detectou grande quantidade de indicações na cota pessoal da governadora, assim como técnicos com perfil político no sentido amplo do termo (ver Tabela 1 na Seção IV) e o PSB não tem a dominância observada no PMDB em governos anteriores. Os peessebistas mantêm quatro secretários nos primeiros (2003-2006) e segundo (2007-2010) mandatos, dentro de um total de onze e treze indicações estritamente partidárias, respectivamente. Em todo caso, o governo é claramente majoritário na Casa até o início de 2010. Há diversas mudanças partidárias na composição da coalizão nos dois mandatos”, explica o estudo.
Já Rosalba (ver texto abaixo) montou um governo predominantemente técnico e com secretários alinhados a ela e ao marido Carlos Augusto Rosado. Enquanto Robinson Faria, apesar da retórica do “governo técnico” ele acabou montando uma equipe que aliou os dois perfis sendo que das nove indicações com filiações partidárias cinco foram do PT que tinha apenas um deputado estadual.
O então governador preferiu montar a base negociando apoios no “varejo”.
O trabalho conclui que os governantes não optaram por formar o secretariado levando em consideração a proporcionalidade dos partidos na Assembleia Legislativa.
Confira:
Como caracterizar as principais gestões analisadas em conexão ao seu relacionamento com o legislativo? Qualquer classificação é provisória a essa altura da investigação, mas é possível definir certos parâmetros de maioria no que toca à consistência da mesma. Sendo assim, o governo Garibaldi pode ser designado como partidarizado, majoritário e de dominância clara do partido do governador sobre o primeiro escalão; na Assembleia cede-se espaço a um partido aliado (PPB). O governo Wilma é partidarizado, majoritário e sem dominância do seu partido sobre o secretariado, ocorrendo incidência de “cotas pessoais” em cargos importantes; na Assembleia cede-se espaço a um partido aliado (PMN). O governo Rosalba apresenta baixa partidarização, sem núcleo partidário dominante seja na base legislativa seja no secretariado. Por fim, o governo Robinson (aqui estudado apenas na primeira formação do secretariado) exibe baixa partidarização com obtenção individualizada de apoios no legislativo potiguar. De modo geral, não constatamos tentativas claras de dar maior proporcionalidade às indicações partidárias no que concerne a postos de primeiro escalão e bancadas na assembleia estadual.
Cota pessoal
Um ponto que iguala Garibaldi e Wilma diz respeito ao critério de “cota pessoa”. Sendo que no primeiro, as pessoas com esse perfil já se encontravam no PMDB e na segunda ela manteve pessoas com esse perfil em postos chave. Enquanto Rosalba preferiu trazer pessoas de sua confiança dos tempos em que foi prefeita de Mossoró. “Fica claro, portanto, que as proporções partidárias na Assembleia Legislativa não figuram de imediato ou regularmente nos cálculos dos governantes estaduais. Elementos derivados das famílias políticas potiguares reforçam a necessidade de alianças que são pessoais entre os nomeados e o governador”, destacou.
Aposta em perfil técnico não garantiu gestões bem avaliadas
Entre 1995 e 2015 somente dois governadores conseguiram se reeleger e foram justamente os que menos trabalharam com equipes mais técnicas: Garibaldi Alves Filho e Wilma de Faria (na época no PSB).
Já Rosalba Ciarlini e Robison Faria que montaram equipes mais técnicas terminaram registrando altos índices de impopularidade e não conseguiram se reeleger. Vale lembrar que Rsalba sequer chegou a tentar a reeleição e Robinson teve apenas o primeiro ano de mandato avaliado.
O estudo mostra que aposta na equipe técnica terminou por refletir no desempenho político da governadora Rosalba que teve crises sucessivas com Assembleia Legislativa e outros poderes. Ela chegou a ter apenas 7% de aprovação em dezembro de 2013, sendo a pior avaliação entre os gestores estaduais no país. “O caso do governo Rosalba é exemplar disto. No critério restrito, teria sido a administração mais “tecnicamente competente” dentre todos os governos. Mas isto não garantiu um gover[1]no bem-sucedido, ao contrário: Rosalba sofreu com problemas na manutenção de sua coalizão político-partidária, uma gestão pública desastrosa em muitas frentes (crise na Penitenciária de Alcaçuz, decreto de calamidade pública na saúde pública, um ajuste fiscal que paralisou serviços públicos etc.), inclusive com ameaças de impeachment, e teve vida curta, não a habilitando, nem mesmo, para concorrer à reeleição”, diz o estudo.
O professor e cientista político Alan Lacerda, um dos autores do trabalho, destaca que no caso de Robinson as dificuldades se deveram à fragilidade da equipe. “O secretariado de Robinson, em termos de gestão, tinha o mesmo nível que seu chefe. Quadros frágeis, inclusive na sensível área da segurança pública, sem capacidade de definir prioridades. A rigor, o governador vendeu um governo técnico que nunca existiu. Não basta encher o governo de técnicos para que uma gestão tenha excelência técnica; os técnicos precisam ser bons e ter uma orientação política clara do principal gestor”, avaliou.
Amanhã publicaremos uma entrevista com um dos autores do trabalho.
Poucos discordam que a sequência marcada pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e a detenção de Lula em 2018 definiu o atual projeto do Partido dos Trabalhadores. Todavia, outra dinâmica não menos importante, comum a outras formações de centro esquerda, também influenciou esse processo.
Os anos 2015-2020 são caracterizados pela ascensão e queda de novas formações de esquerda como o espanhol Podemos, a França Insubmissa e, mais importante ainda, pela tomada de poder de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista britânico.
Todos defendiam uma estratégia de acirramento da contestação política e de mobilização apaixonada das bases.
Eles ofereceram o respaldo teórico e prático ao PT para dar uma guinada programática depois de 13 anos no poder. Naquela altura, a prioridade do partido era evitar ser ultrapassado pela esquerda.
O que resta dessa experiência? Dirigido por uma tirania familiar, o Podemos virou uma muleta ineficiente do governo Pedro Sánchez.
A França Insubmissa fracassou na sua tentativa de capturar o eleitorado de esquerda órfão do Partido Socialista. Os trabalhistas sofreram algumas das suas mais humilhantes derrotas sob o comando de Jeremy Corbyn.
Contra todas as expectativas, a pandemia abriu um novo capítulo. O moderado Keir Starmer reconstruiu as fundações dos trabalhistas no Reino Unido e, em poucos meses, recuperou a popularidade perdida nos anos Corbyn.
Na França, ambientalistas e socialistas triunfaram nas municipais. Juntos, eles formam a alternativa mais credível ao governo Macron, firmemente ancorado à direita. Um pouco por todo o lado, a centro-esquerda está saindo renovada e fortalecida da era populista.
No Brasil, porém, a Executiva Nacional do PT resiste graças a duas falácias. A primeira é denunciar a eleição de Jair Bolsonaro como parte de uma interminável conspiração contra o partido. A segunda falácia é a ideia de que o PT deve continuar girando em torno de Lula.
O advento do Consórcio do Nordeste, a maior força de oposição ao governo, e a atuação dos melhores quadros petistas nas discussões da Frente Ampla, deixam claro de que isso não passa de uma ilusão sustentada por burocratas desprovidos de capital eleitoral.
O PT não é o primeiro grande partido de centro-esquerda a ter dificuldades em gerir a transição para a oposição depois de um longo período no governo. Basta olhar para a travessia do deserto dos trabalhistas depois da queda de Tony Blair.
Tampouco é o primeiro partido a ter de lidar com a onipresença de um líder histórico. Por décadas, o Partido Socialista francês viveu na sombra do seu fundador e idealizador, François Mitterrand. Embora delicadas, essas questões seriam facilmente superadas por uma nova geração de dirigentes.
Mas o PT é a única formação que optou por renovar o mandato de uma Comissão Executiva Nacional com uma agenda rejeitada pela sociedade e descartada no mundo inteiro.
Por isso, não vale a pena perder tempo tentando debater as sempiternas querelas sobre golpe, Lava Jato e Venezuela. Para a atual Executiva do PT, o único projeto é o impasse.
Este artigo não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema.
Entre as muitas novidades trazidas pela eleição presidencial de 2018, uma das mais importantes do ponto de vista político foi a derrota fragorosa do centro, ou melhor, das forças e partidos que ocupavam o centro do espectro ideológico. O representante dileto da centro-direita, Geraldo Alckmin, conseguiu pouco mais de 4% dos votos válidos no primeiro turno. Se ainda valesse o paradigma comunicacional que vigorou por toda Nova República, quem tem estrutura partidária, recursos financeiros, tempo de Horário da Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e apoio da grande mídia, teria grande probabilidade de chegar ao segundo turno. Alckmin teve tudo isso e fracassou.
O PT, seja por ser historicamente o partido líder isolado em identificação popular ou pelo carisma e popularidade de Lula, conseguiu chegar ao segundo turno. Mas ninguém ocupou o lugar que antes era do PSDB. Pelo contrário, a vitória coube a Jair Bolsonaro, candidato que era fraquíssimo em todos os elementos do paradigma antigo: partido e coligação insignificantes, parco financiamento oficial, tempo pífio de televisão e tratamento desfavorável da imprensa – ainda que no longo prazo a grande mídia tenha criado as condições ideológicas para sua vitória.
Passado o tsunami eleitoral, as forças políticas que não compõem o bolsonarismo parecem ainda estar operando em conformidade com o paradigma antigo, ou seja, estão em busca do centro. O PT planejando uma política de alianças que segure sua sangria eleitoral nos municípios e os partidos da velha centro-direita lançando candidatos balões. Todos, contudo, continuam trabalhando com o pressuposto mais básico do paradigma antigo: a distribuição normal do universo de eleitores ao longo do espectro ideológico. Em palavras menos técnicas, isso quer dizer que as preferências ideológicas do eleitorado se distribuem ao longo de uma curva em formado de sino, com poucos radicais à esquerda e direita e a massa de eleitores em torno do centro.
Essa premissa é a base da teoria do eleitor mediano, segundo a qual, em sistemas bipartidários, aquele candidato que capturar o eleitor no meio da distribuição (a mediana), vence. Tal teoria da Ciência Política, feita para explicar originalmente o sistema político americano, parecia ser tão boa que funcionava também para outros sistemas políticos, inclusive o nosso. Ora, a Carta aos Brasileiros foi uma estratégia que Lula usou para capturar o centro com a finalidade de vencer a eleição. Deu certo.
Mas sinais de que havia algo de errado com a premissa em que se baseava tal cálculo já se tornaram evidentes com a vitória do candidato republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore em 2000. Bush não se preocupou em nenhum momento durante a campanha em fazer concessões ao centro, adotando em uma agenda neoliberal e criptoracista, enquanto Gore insistia em parecer o candidato mais moderado, prometendo combinar os interesses do mercado aos da sociedade. Em termos de distribuição ideológica do espectro eleitoral, Bush apostou em consolidar uma “montanha” à direita que fosse maior que a montanha da esquerda. Ao invés de uma curva em forma de sino, ou de corcova de dromedário, tivemos uma curva no formato das costas de um camelo.
Trump empregou essa tática, radicalizando ainda mais o discurso à direita, e deu certo novamente. E em 2018 assistimos à chegada dessa inovação no Brasil. O país que até há pouco não tinha um partido sequer que assumia a identidade de direita, de repente viu um candidato de extrema-direita ganhar a eleição. Bolsonaro, como seus predecessores americanos, apostou que a consolidação de uma base de direita por meio de um discurso radicalizado, poderia lhe garantir a vitória. Deu certo.
Dado esse estado de coisas, será que a estratégia de recompor o centro seria razoável, ou mesmo factível?
Uma análise sólida dessa questão precisa levar em conta dois elementos fundamentais da democracia contemporânea, a representação política e a opinião pública. A representação, feita por partidos e políticos, domina as análises chamadas institucionalistas. Já a opinião pública tende a frequentar análises mais preocupadas com o aspecto deliberativo da democracia, isto é, como as pessoas formam suas preferências ou aderem a valores e visões de mundo. Infelizmente, a maior parte das análises produzidas pelos publicistas de plantão focam exclusivamente em um ou outro elemento.
Onde está o centro no plano da representação? Levantamento recente feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (http://olb.org.br) das votações nominais no Congresso brasileiro mostra altíssimo nível de governismo na Câmara e no Senado. Os únicos partidos na Câmara consistentemente oposicionistas são o PT e o nanico PSOL. O centro é habitado por Rede, PDT e PSB. Todo o resto da Câmara vota com o governo, quase sempre. Em uma escala de governismo de 1 a 10, 73,4% dos deputados tiveram nota maior que 7 e 50% alcançaram 9 ou 10.
No Senado a polarização é ainda mais aguda. À esquerda temos PT, REDE, PDT e PSB e à direita todo o resto do espectro partidário. Simplesmente não há centro.
Se na eleição assistimos ao derretimento da centro direita, que produziu um segundo turno no qual a centro-esquerda enfrentou a extrema direita, depois da eleição, quando a política nacional se centra na relação executivo e legislativo, reproduz-se uma polarização entre uma pequena esquerda, liderada pelo PT, com uma massacrante maioria governista, que inclui os partidos da antiga centro-direita, como o PSDB e o DEM.
Onde estaria o centro no âmbito da opinião pública? Para tentar responder essa pergunta precisamos desconstruir um pouco o conceito de opinião pública, sempre tão fugidio. Ele na verdade só se justifica contrafactualmente, isto é, sem o assentimento da opinião pública, as instituições teriam que se sustentar exclusivamente pela coerção nos períodos entre eleições. Como isso não se verifica, então devemos supor que há um clima de legitimidade, seja ela passiva ou ativa, que permite que as coisas funcionem minimamente. Na verdade, há uma ocasião periódica em que a opinião pública se consubstancia e pode ser observada, ainda que em forma limitada: as eleições – quando são instadas a expressar suas vontades e preferências, que então são quantificadas.
Se pensarmos na eleição de 2018 por esse ângulo, colocando nossa pergunta central, veremos que parte do centro opiniático apoiou o candidato do PT, Fernando Haddad, e parte dele migrou para a proposta de extrema direita de Bolsonaro, deixando então sua posição inicial. O antipetismo pode ter tido papel fundamental neste segundo fenômeno. Ainda assim, o PT continuou onde estava, ou seja, ocupando a banda esquerda do centro-político, mas a centro direita derreteu eleitoralmente, e escorreu para o lado de Bolsonaro.
Leia também:Políticos de todas as posições alertam para autoritarismo de Bolsonaro e risco à democracia
Qual seria, então, a probabilidade desse centro ser recomposto? O que faria com que o eleitorado abandonasse o modelo do camelo e voltasse ao dromedário? Quais seriam as ações necessárias para que esse empreendimento de recomposição do centro dê certo, seja em benefício da velha centro-direita, seja do PT?
Termino esse curta reflexão com essas indagações. A mim parece que os velhos tempos, quando partidos, horário eleitoral, cobertura da imprensa e debates tinham um papel decisivo na eleição, se foram para nunca mais voltar. Penso que houve mudanças importantes nos padrões de comunicação política que não podem mais ser ignoradas. Mas isso é assunto para um próximo artigo.
*É professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da UERJ. É coordenador do GEMAA – Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (http://gemaa.iesp.uerj.br/) e do LEMEP – Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público.
O Brasil e o mundo se chocaram com a proximidade de um membro do alto escalão do governo com a ideologia nazista. O inacreditável vídeo cheio de referências nazistas e o discurso que plagiou Goebbels, ministro das Comunicações de Hitler, derrubaram o secretário de Cultura Roberto Alvim. Enquanto isso acontecia, evidenciando o total despreparo e o apreço de setores do governo por regimes autoritários – algo que, sabemos, não vem de hoje e não é restrito ao nazismo –, parte da esquerda resolveu defender publicamente… outros regimes autoritários.
Parece inacreditável – e é. O historiador e influenciador marxista Jones Manoel não corou em falar publicamente que matar pessoas em uma revolução “é uma contingência que acontece”. Fuzilar uma família aqui, matar outros tantos milhões de fome ali, torturar e assassinar indiscriminadamente e promover o terror entre os dissidentes. Assim mesmo. É normal, efeito colateral.
Também teve uma ala do Psol que resolveu exaltar Vladímir Lênin nesta semana, em lembrança ao aniversário de 96 anos da morte do comunista, um dos líderes da Revolução Russa de 1917 e o primeiro governante da União Soviética. A deputada Talíria Petrone, do Psol carioca, o elogiou “pelo exemplo e pelos escritos”. Se entregou de bandeja para a direita, que mais uma vez alimentou o fantasma anticomunista que acaba tragando a todos nós.
Esse texto não é uma crítica a correntes teóricas específicas de esquerda. Cada um defende o que quiser e nós defendemos esse direito até o final – não podemos falar o mesmo de partidários de regimes autoritários. O que criticamos é a postura muitas vezes ingênua de parte da esquerda que, imersa em conceitos teóricos e na busca pela pureza ideológica, acaba escorregando nas cascas de banana que a direita joga no caminho. Essa foi uma delas. É importante que a esquerda seja ampla, diversa e comporte diferentes visões de mundo. Mas é importante, também, saber como tudo isso vai ser usado na guerra cultural. Especialmente em um momento em que a popularidade de Bolsonaro cresce, mesmo com todas as tragédias em seu governo, e o presidente fala abertamente que “gente de esquerda não é normal“.
Estamos sob um governo fascista. Ponto. A esquerda é múltipla e comporta alas mais radicais e mais moderadas. Ainda assim, mesmo que tenha gente que siga piamente acreditando que o regime bolsonarista possa ser derrubado com uma revolução do proletariado, o cenário mais pragmático – e evidências de outros países reforçam isso – aponta que o único jeito de derrotar um governo autoritário é formando uma coalizão. Para isso, é preciso que exista gente disposta a abrir mão de certos valores e divergências irreconciliáveis em favor de (muitos) pontos em comum e dar a mão pro amiguinho que não pensa exatamente como nós para disputar o pouco espaço democrático que ainda nos resta.
Em tempos em que a imprensa segue sendo perseguida, censurada e ameaçada e direitos básicos estão sob ameaça, não faltam elementos para juntar quem está minimamente disposto a lutar pela democracia em torno do maior dos bens – a liberdade de divergir. Saber negociar e se reunir em torno de pautas comuns é fazer política. Ninguém ganha nada negando-a, pelo menos no regime democrático de coalizão em que (ainda) estamos.
Um exemplo: quando o deputado Marcelo Freixo, também do Psol, votou a favor do pacote anticrime do ministro Sergio Moro, ele foi massacrado por uma parte da esquerda. Para essas pessoas, não importava que a pior parte do pacote havia sido derrubada na votação: importava que um “dos seus” tinha traído seus ideais. São provavelmente as mesmas vozes que, coisa de um ano atrás, aplaudiram o apoio do PT à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela – o que, vale lembrar, também alimentou a paranoia anticomunista.
O PSDB também é outro partido que, à sua maneira, tem tentado mamar nas tetas do radicalismo – neste caso, de direita. No Twitter, o partido não perde uma chance de relativizar o governo Bolsonaro com o velho “mas e o PETÊ?”, tentando comparar os arroubos antidemocráticos do atual governo à gestão petista. Os tucanos tentam recuperar sua parcela do antipetismo sem se darem conta de que já a perderam para o espectro radical e antidemocrático. Em vez de reconquistar o eleitorado social-democrata e o centro – o que passa obrigatoriamente por algum tipo de aproximação com o maior partido de esquerda do Brasil, que, me desculpem, ainda é o PT –, o partido desliza para a extrema-direita.
Não é só inútil: é contraproducente. Se estendesse uma ponte ao petismo, em vez de tratar o partido surgido de lutas em comum como uma organização criminosa, os social-democratas (eles ainda existem no PSDB?) quem sabe constrangessem a turma de Lula a finalmente sair da covarde – mas até certo ponto compreensível – e eterna negação dos escândalos em série de mensalão e petrolão rumo à necessária autocrítica. Ganhariam, com isso, todos os que ainda acreditam na democracia.
Quando parte da esquerda ou centro-esquerda que tem visibilidade e cargos públicos usa esses pressupostos para defender o extremismo, ela alimenta a polarização. Com isso, fortalece a narrativa que criminaliza e desumaniza a esquerda como um todo, beneficiando mais uma vez o bolsonarismo e a extrema-direita que se alimenta disso.
A sociedade polarizada é o que permite que emerjam governos fascistas. A democracia pressupõe conviver com o diferente e até, em certos casos, fazer alianças com ele. “Quando nós concordamos com os nossos rivais políticos em pelo menos parte do tempo, estamos menos propensos a vê-los como inimigos mortais”, escreveu o cientista político Steven Levintsy no já clássico ‘Como as Democracias Morrem‘. A corrosão de princípios básicos de convivência e respeito às instituições democráticas é o que cimenta a passagem de líderes autocratas e tiranos.
Os modelos políticos têm suas nuances e complexidades. Não há preto no branco, nós sabemos. A esquerda é complexa, heterogênea e a maior parte das pessoas que se classifica nesse espectro político têm total aversão a regimes ditatoriais – nós estamos entre eles. Mas, no debate político, marcado pela superficialidade e pelo analfabetismo funcional – só 30% dos brasileiros não conseguem ler e compreender um texto – tudo vira arma nas mãos do inimigo. Tudo o que eles querem é uma razão para nos jogarem ao extremo e minarem qualquer chance de aliança ou debate – e eles estão conseguindo. Estamos em uma guerra de narrativas e, se não agirmos estrategicamente agora, vamos inevitavelmente continuar perdendo.
Cresci acompanhando disputas polarizadas entre Alves e Maias no Rio Grande do Norte. Iniciei a carreira jornalística acompanhando a polarização Rosado x Rosado em Mossoró.
Durante 20 anos PT e PSDB polarizaram as disputas políticas no Brasil.
A polarização no Rio Grande do Norte se quebrou quando Wilma de Faria venceu no histórico pleito de 2002 e se tornou nossa primeira governadora. Em pouco tempo ela passou a polarizar com Alves e Maias que se uniram para enfrenta-la em 2006 e 2010. Hoje a política potiguar caminha para uma polarização esquerda x direita.
Em Mossoró, os Rosados, outrora divididos, estão unidos em seus dois núcleos mais tradicionais. A polarização de 2020 será no mesmo sentido de 2016 com Rosado x Não-Rosado. Até outubro do ano que vem alguém vai ocupar este espaço da alternativa de poder sem o sobrenome tradicional.
No Brasil, o PSDB foi substituído pelo bolsonarismo na polarização com o PT.
Como o leitor pode perceber com o que mostrei até aqui que a polarização é um elemento do processo político. Ela pode ser mais ou menos radical, mas não existem disputas eleitorais sem isso.
A imprensa, de modo geral, explora muito mal o tema. Trata como algo novo ou ruim. Não é nenhuma coisa nem outra. A polarização é natural nos regimes democráticos e sempre existirá.
O que existe é um discurso para incluir quem está de fora dentro da polarização, mas está doido para entrar nesse embate que traz protagonismo aos envolvidos.
A mídia nacional insiste em tentar despolitizar a política porque ainda não aprendeu as lições do estrago que esse tipo de posição fez ao país.
O problema não é a polarização em si, mas o tipo que temos em curso. Daí quando o jornalismo contribui para despolitizar a política presta um desserviço.
Autor de best-sellers como “A Cabeça do Eleitor” e “A Cabeça do Brasileiro”, Alberto Carlos de Almeida é um dos mais respeitados e renomados cientistas políticos do país.
Referência na análise de pesquisas eleitorais e sempre convidado a dar entrevistas em programas de TV ele lançou o curso on line “Quem Manda no Brasil?!” em que vai destrinchar como funciona os bastidores da política e os fatores que influenciam em nossa representação.
O Blog do Barreto será parceiro do projeto. Quem tiver interesse em se inscrever no curso pode usar o cupom de desconto com a palavra “Barreto” e ganhar 5% de desconto na inscrição.
As inscrições vão até o dia 9 de agosto. As vagas são limitadas.